Sobral, o chef que espalha esquinas pelo mundo

Com quatro restaurantes fora de Portugal – a sua Tasca da Esquina em São Paulo acaba de ser eleita Melhor Restaurante Português no Brasil – e projectos para Londres e Paris, Vítor Sobral é hoje o mais global dos chefs portugueses.

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Vítor Sobral Vera Moutinho

Encontramo-nos com Vítor Sobral numa esquina. Neste caso é a Peixaria da Esquina, o novo projecto que abriu em Campo de Ourique no espaço onde anteriormente funcionava a Cervejaria da Esquina. A mudança de conceito tem uma explicação. “Nós em Portugal não temos a capacidade de trabalhar o marisco como ele tem que ser trabalhado”, diz o chef. “Não é falta de capacidade para o cozinhar, o problema é que comercialmente não o sabemos trabalhar”.

Por um lado, os clientes associam a palavra “cervejaria” a um espaço caro e por outro é uma área em que a concorrência é feroz. Como muitos clientes habituais da Cervejaria pediam frequentemente pratos de peixe, a transição acabou por se fazer naturalmente e desde Agosto a Cervejaria é uma Peixaria. Para além de todos os pratos tradicionais de peixe, a novidade são os marinados e os curados. “Quando pensámos neste conceito pela primeira vez, há quatro anos, o público não estava tão receptivo a comer peixes marinados e curados como está hoje”, recorda Sobral. “Devemos isso bastante ao número de restaurantes japoneses que abriram e criaram uma clientela para esse produto.”

Mas há outra razão para o nascimento da Peixaria que tem a ver com os planos de expansão de Vítor Sobral e da sua equipa, que conta com os chefs Hugo Nascimento e Luís Espadana. O chef português que mais restaurantes têm noutros países, três no Brasil – onde a Tasca da Esquina acaba de ser considerada pela revista Gula “o melhor restaurante português do Brasil”, depois de já ter sido premiada como o Melhor Português de São Paulo pelo jornal Folha de São Paulo e as revistas Veja e Prazeres da Mesa – e um em Luanda, a Kitanda da Esquina.

Depois do mundo lusófono, o chef olha agora para a Europa e, mais concretamente, para Londres e Paris. “Andamos a namorar há algum tempo os mercados de Paris e Londres e acredito que vai acontecer uma Tasca ou uma Peixaria, é só estarem as condições reunidas”, afirma. “São mercados próximos e neste momento já tenho equipa que posso alocar a esses espaços. Hoje, como grupo, consegui reestruturar-me e criei um formato que já me permite expandir a marca.”

As coisas não têm acontecido de forma muito planeada. “Tenho crescido, juntamente com a minha equipa, em função das oportunidades que surgiram no mercado. Umas vezes as coisas correram bem, outras correram menos bem. Podia dizer que a nossa expansão para a África e Brasil foi uma acção concertada, mas o facto é que surgiu em função dos contactos e oportunidades e nós conseguimos ir dando conta do recado.”

Recorda que quando pensou abrir um restaurante em São Paulo surgiram imediatamente previsões de que iria falhar. “Diziam que ao fim de seis meses fechava porque os brasileiros não iam gostar da comida portuguesa, diziam que tinha que a tropicalizar. Hoje sou considerado o melhor restaurante de cozinha portuguesa de São Paulo e do Brasil.”

Houve uma altura em que a nível financeiro as coisas não foram fáceis. Mas agora os restaurantes estabilizaram. “O mais difícil é o de João Pessoa. Como é uma cidade mais pequena e a imprensa não é tão agressiva como em São Paulo, tudo demora mais. Mas vamos chegar ao nosso objectivo.”

Uma das coisas que aprendeu foi a importância de ter um parceiro local. “Não faço nada que não tenha parceiros locais, é demasiado arriscado, porque cada mercado tem uma linguagem própria, até os diferentes bairros de São Paulo têm.” No entanto, a essência do projecto não muda. “São sempre restaurantes portugueses, foi essa a nossa aposta e é o que faz a diferença. Se copiar um espanhol ou um francês não vou fazer melhor que eles. Sempre achei que o que devia tentar fazer era ligar às nossas raízes e tradições as técnicas de cozinha que aprendi com eles”. E a marca também não muda. A Tasca pode transformar-se em Kitanda, como aconteceu em Luanda, mas será sempre da Esquina e, garante Sobral, sempre com o nome em português, mesmo em Londres ou em Paris.

Estes também são mercados com as suas particularidades, mas Vítor Sobral acredita que um restaurante português pode funcionar bem – em Paris “porque existe uma grande comunidade portuguesa” e em Londres porque “a comida do sul agrada aos anglo-saxónicos”. A mudança de Cervejaria para Peixaria também tem a ver com os projectos de expansão. “Era mais complicado exportar o conceito de cervejaria por não haver disponível nos mercados exteriores a mesma variedade de marisco que existe em Portugal. A Peixaria dá-nos a possibilidade de nos adaptarmos aos mercados locais, porque conseguimos sempre uma maior diversidade de peixe maior do que de marisco.”

Mas Sobral não olha apenas para o estrangeiro. Também tem planos para Portugal. “Estamos num namoro com um mercado que já dura há 10 anos”, revela. Agora, finalmente, parecem reunidas as condições para avançar. As negociações com a Câmara Municipal de Oeiras estão bem encaminhadas para que se concretize o projecto que há uma década Vítor Sobral anda a pensar para o Mercado de Paço de Arcos.

“Vamos fazer aquilo que achei sempre que deviam ser os mercados em Portugal e convidei outros colegas e uma série de lojistas.” Não inventou nada de novo, sublinha. A ideia surgiu-lhe há uns 14 ou 15 anos quando visitou um mercado em Toronto e pensou que era a solução certa para os então moribundos mercados portugueses. Vai haver menos espaços de restauração do que noutros, garante, afirmando que não gosta da ideia de transpor um food court de um centro comercial para um mercado.

O foco principal será nas lojas e nos produtos que gostaria de ver à venda – para além do serviço. “Porque é que hoje tenho que ir ao El Corte Inglês para achar um sortido de enchidos e queijos que não acho em mais lado nenhum? E porque só ali encontro aquele serviço?”, pergunta. Lamenta apenas que os preços sejam elevados e pretende que o Mercado de Paço de Arcos forneça bons produtos, com um bom serviço, mas com preços mais acessíveis. “Os mercados não têm que fechar à uma da tarde, nem que não entregar em casa, ou não embalar e expor bem as coisas. Tem que haver um trabalho nesse sentido. Que não é inventar nada, é só fazer bem feito. Se saio às nove de casa para ir trabalhar e chego às seis ou sete da tarde, tenho que ter um mercado para onde ligue a encomendar as coisas que depois vou buscar.”

O objectivo é sempre o de privilegiar os produtos portugueses de qualidade. “Não faço questão de ter foie-gras nem trufas mas faço questão de na altura dos cogumelos ter uma boa mostra dos cogumelos, na altura das cerejas ter uma boa promoção das cerejas, ter uma boa mostra de queijos”. A relação com os produtores nem sempre é fácil, reconhece. “Tenho, ao longo destes anos todos, feito tudo para me aproximar dos produtores e às vezes tenho que andar quase a pedir por favor para as coisas acontecerem. No mercado vamos ter que privilegiar os que mais trabalham, os que são mais rápidos e solícitos aos contactos que fizermos”.

Com o mercado, quer “mostrar o que Portugal tem de bom” e, se possível, ajudar a que as coisas aconteçam. Dá um exemplo que o indigna: o vinagre. “Não entendo como é que toda a gente faz vinagres dos vinhos mais importantes que tem no país, se quisermos um de Champanhe encontramos, e não conseguimos encontrar um de vinho do Porto. Isto porque acham que não dignifica o vinho do Porto. De onde tiraram esta ideia? Preferem vender a granel para França ou vender os de baixa gama a preços irrisórios em vez de fazerem vinagre, que é um produto de altíssima qualidade. Não temos vinagre de nenhum dos nossos vinhos generosos. Se os franceses têm capacidade para vender os vinagres envelhecidos, se os italianos conseguem fazer o balsâmico, se os espanhóis conseguem fazer um excelente vinagre de xerez, porque é nós não podemos fazer?”.

Esta junta-se a outras coisas que tem dificuldade em compreender. “Tenho três restaurantes no Brasil e, tirando um ou outro produtor de vinho e de azeite, nunca ninguém chegou ao pé de mim para dizer que queria fazer alguma coisa lá. Acho estranho, porque a restauração é o melhor sítio para se promover o que se queira de um país.” Apesar destas indignações, está convencido de que “temos capacidade para fazer diferente” – e espera que os seus novos projectos possam ajudar a que isso aconteça.

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