Movimento ou colisão?

Pode, aparentemente, jogar-se râguebi de muitas maneiras mas, na realidade, são apenas dois os modelos que constituem a sua base de sustentação

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Reuters

Começa nesta sexta-feira, em Inglaterra, o Mundial 2015 com as vinte equipas melhor classificadas do ranking da World Rugby. A maratona de mês e meio é brutal e as equipas que chegarem às meias-finais terão demonstrado uma notável capacidade tanto competitiva como gestora dos meios humanos de que dispuseram. Ganhar a Taça do Mundo, ser campeão mundial, é - seja qual for a qualidade e interesse dos jogos - um feito memorável que obrigou os estados-maiores de cada equipa a pensarem, com meses de antecedência, em qual seria o melhor modelo de jogo para atingir os objectivos pretendidos: movimento ou colisão?

 

Duas maneiras de jogar aquele que é, provavelmente, o jogo desportivo mais colectivo que conhecemos - jogador sozinho conta pouco e tudo o que não resulta do trabalho colectivo tem pouca ou nenhuma hipótese de êxito. O que parece evidente num jogo que, por proibir passar a bola para a frente, é comparável a uma corrida de estafetas: se chegámos até aqui é daqui que temos que continuar - daí a importância estratégica da Linha de Vantagem.

 

Pode, aparentemente, jogar-se râguebi de muitas maneiras mas, na realidade, são apenas dois os modelos que constituem a sua base de sustentação: o jogo de movimento com circulação de jogadores de acordo com o movimento da bola e que exige boa técnica, boa condição física e amplos conhecimentos tácticos ou o jogo de colisões, exigente na capacidade física mas menos preocupado com as questões técnicas ou tácticas - a força, o desafio físico directo somado a um jogo ao pé estrategicamente competente na ocupação do espaço, criam os desequilíbrios na defesa necessários à eficácia.

 

Por razões estéticas - no mínimo - e de formação, sou um adepto do jogo de movimento - e tive em Pierre Villepreux um professor de primeira água. Mas sei também que o jogo do movimento é o único modelo de jogo que pode permitir às equipas portuguesas a eficácia de resultados internacionais. Não só porque se adapta a uma habilidade técnica - se bem ensinados... - que os portugueses geralmente mostram como também permite a expressão de uma individualidade - se bem treinados na leitura de jogo - que também gostam de mostrar. Tem no entanto um problema: exige enorme disciplina (mais ainda se quisermos contar com a necessária expressão individual) focagem permanente e gestos precisos, aptidões que só se atingem com enorme quantidade de treino - as tais 10.000 horas de prática de que cada vez mais se fala?

 

Para que o jogo de movimento seja eficaz é necessário que a técnica de passe - todo o tipo de passes, incluindo os heterodoxos - seja de grande eficácia, precisão e capaz de fazer o gesto no mínimo espaço e tempo, que exista capacidade de ler a movimentação da defesa, que se saiba manobrar superioridades numéricas, fixando adversários directos e que se saiba atacar intervalos e manter a bola viva. Seja por passes em carga (offloads) ou sendo capaz de manobrar, rodando e dando as costas, para entregar ao apoio profundo ou continuar se o defensor se desequilibrou. O importante no jogo de movimento - o seu factor de desequilíbrio - é a continuidade do movimento da bola á qual os jogadores, em permanente formação de apoio, devem aderir sem hesitações.

 

No jogo de colisão as qualidades técnicas são menos complexas - contacto directo pura e simples - e a capacidade de leitura menos exigente. No fundo é preciso garantir que o embate tem força suficiente para concentrar defensores e permitir a companheiros que conquistem o espaço e garantam uma bola rápida para servir novos derrubadores.

 

Em qualquer dos casos a disciplina colectiva é essencial - cada jogador tem um papel a desempenhar (embora diferente nos dois casos) que tem de ser realizado no momento oportuno - recorrendo a células que, de acordo com a relação de pontos fortes e fracos, actuarão nas zonas mais indicadas do campo.


É claro que o jogo de movimento exige um árbitro atento e muito focado nas linhas de fora-de-jogo - a recente vitória da Austrália sobre a Nova Zelândia só foi possível porque o árbitro Barnes deixou, durante toda a primeira parte, que a defesa australiana avançasse a destempo, cortando o tempo e o espaço necessários para a movimentação All Black.

 

E neste Mundial que equipas vão jogar um modelo ou outro? Os favoritos All Blacks jogarão movimento com recurso ao jogo ao pé - rasteiro ou balão - a explorar a obrigatória subida do três-de-trás defensor. Provavelmente a Argentina o jogará também - será muito curioso ver como Hourcade terá preparado a sua defesa para o primeiro jogo com os neozelandeses. A Austrália também, assim como a Irlanda. A França será uma enorme incógnita: herdeira do french flair é hoje, com a peregrina ideia de jogar à sul-africana, uma pálida amostra do rugby empolgante que nos ofereceu. Mas pode ressuscitar... E claro, Fiji também será movimento. Samoa e Tonga dependerão da pressão adversária - sem espaço, luta directa; com espaço, jogo ao largo - na óbvia preocupação de um apuramento para o próximo Mundial.

 

Gales sem Halfpenny perde muito das suas possibilidades e o sistema Warrenball, se possibilitará o refúgio que protege a eventual e natural perda de confiança, também mostrará as suas limitações nos jogos decisivos de um Grupo A com três candidatos para dois lugares.

 

As outras equipas jogarão a segurança sem risco, da colisão. Mesmo as também candidatas África do Sul e Inglaterra assim farão, jogando na capacidade física dos seus jogadores, no poder de contacto, procurando a concentração forçada de defensores para lançar pontas rápidos e finalizadores ou garantir penalidades. Os sul-africanos, com uma equipa de enorme experiência, mostrar-se-ão mais eficazes neste sistema que os ingleses que, no entanto, poderão contar com o apoio do público que pode fazer maravilhas. E com o peso de uma comunicação social que não deixará de fustigar os seus adversários.

 

Para além da vitória final, a luta por um dos três primeiros lugares de cada grupo - que garante acesso directo ao próximo Mundial do Japão em 2020 - é outro dos motivos de interesse e que colocará muita atenção nos jogos das equipas menos importantes. Para nós portugueses também há motivos particulares de atenção: se a Geórgia conseguir o terceiro lugar do seu Grupo C - e o início, mesmo contra todas as previsões, com uma vitória sobre Tonga seria um passo de gigante para os seus objectivos - surgirá uma brecha na classificação europeia que pode ser aproveitada porque a sua posição classificativa no Europeu, deixaria de ter importância.

 

O jogo dos palpites

Que resultados serão possíveis neste fim-de-semana? A quem favorecerá o factor WC? De uma forma adequada às suas posições no ranking, os resultados - vencedores e diferença de pontos - poderão, numa lógica quase cartesiana e sem atenção aos diversos imponderáveis - até climáticos - que podem marcar qualquer dos jogos, aproximar-se destes palpites. Palpites que, neste início de campeonato onde as referências são ainda reduzidas, nem apostas chegam a ser.

 

Grupo A: Inglaterra-Fiji: Inglaterra ganha por 22 pontos

Grupo C: Tonga-Geórgia: Tonga ganha por 13 pontos

Grupo D: Irlanda-Canadá: Irlanda ganha por 38 pontos

Grupo B: África do Sul-Japão: África do Sul ganha por 26 pontos

Grupo D: França-Itália: França ganha por 21 pontos

Grupo B: Samoa-EUA: Samoa ganha por 10 pontos

Grupo A: País de Gales-Uruguai: Gales ganha por 56 pontos

Grupo C: Nova Zelândia-Argentina: Nova Zelândia ganha por 29 pontos

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