Alemanha aumenta a pressão sobre países relutantes em acolher refugiados

MInistros germânicos recuperam ideia de Juncker e falam em sanções financeiras para os países que não participarem no esquema de realojamento de refugiados. António Guterres exprime frustração com líderes europeus "incapazes de tomar decisões absolutamente essenciais".

Foto
"O problema só pode ser resolvido pela Europa no seu todo”, disse Merkel Hannibal Hanschke/Reuters

Antes de discutirem os detalhes da proposta apresentada pela Comissão Europeia para a definição das quotas de redistribuição de 160 mil refugiados por 22 países do espaço Schengen, os Estados-membros da União que se opõem à medida poderão ter de decidir sobre uma questão mais essencial: estão dispostos a perder as transferências de Bruxelas por se recusarem a acolher as populações desesperadas que desembarcam na Europa?

Essa foi a proposta – a que alguns chamaram ameaça – avançada pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, esta terça-feira. Claramente agastada pela indecisão dos seus pares, a líder germânica pediu ao presidente do Conselho Europeu para agendar uma cimeira extraordinária de chefes de Estado e de Governo, com a máxima urgência, para desbloquear o impasse e encontrar uma saída para uma crise que ameaça fazer ruir os pilares da integração europeia.

Ao lado do seu congénere austríaco, Werner Faymann, Merkel apelou ao “restabelecimento do espírito europeu” na discussão e definição de uma estratégia para responder à crise, “o maior desafio das últimas décadas e um problema que só pode ser resolvido pela Europa no seu todo”, considerou. Faymann carregou nas tintas e estimou que o fracasso em atacar o problema tem o potencial de “pôr em risco o projecto europeu” – na sua opinião, o nível a que caiu o debate entre líderes diminui a confiança e destrói a fundação moral da União Europeia.

Na mesma conferência de imprensa, a chanceler foi confrontada com as declarações do seu ministro do interior, Thomas de Maiziere, que numa entrevista à ZDF se referiu a “consequências” para penalizar a “atitude não solidária de uma minoria de Estados” que “recebem muitos fundos estruturais”; e ainda do número dois do seu Governo, Sigmar Gabriel, que classificou como “inaceitável” a atitude dos países “que participam na UE quando se trata de receber dinheiro, mas não quando toca a assumir responsabilidades”.

Merkel disse que, neste ponto do debate, as ameaças não são construtivas. Mas se discordou do tom, não desvalorizou o conteúdo das intervenções dos seus ministros – na mesma linha, aliás, do presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, que já tinha defendido que os países que se recusarem aceitar uma percentagem de refugiados devem ser sujeitos a um tipo de penalização ou sanção financeira.

Essa é uma possibilidade que não está prevista nos tratados, como reconheceu Bruxelas: juridicamente, não existe base para o corte das ajudas estruturais pagas aos países que se recusem a acolher refugiados. “Os acordos de cooperação e programas operacionais para o actual período não oferecem uma base legal para reduzir os fundos estruturais e o investimento europeu já atribuídos”, esclareceu o porta-voz da Comissão, Margaritis Schinas.

Mas a pressão alemã produziu algum efeito: depois de confirmar o impasse na cimeira extraordinária de segunda-feira, o ministro do Interior do Luxemburgo convocou uma nova reunião de emergência para a próxima terça-feira, dia 22, numa nova tentativa de ultrapassar a relutância dos países que rejeitam a proposta de Juncker. O presidente da Comissão discutiu esta terça-feira com o Alto-comissário da ONU para os Refugiados, António Guterres, as medidas de assistência aos refugiados apresentadas ao governos europeus: o português confessou o seu sentimento de frustração por estes “não serem capazes de tomar decisões absolutamente essenciais”.

A questão é saber se as ideias defendidas por Juncker, Merkel e Guterres poderão vingar junto dos líderes que insistem em manter os seus países livres de refugiados. Para já, as perspectivas são negativas. O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, repetiu esta terça-feira que o seu país “nunca aceitará quotas obrigatórias”, que descreveu como “irracionais”, e garantiu que marcará presença na cimeira pedida por Merkel “com um mandato claro para recusar qualquer solução que implique quotas”.

A actual proposta da Comissão é baseada num plano – que os ministros aprovaram em Maio – para o realojamento “temporário e excepcional” de 40 mil refugiados que desembarcaram em Itália e na Grécia, e que seria executado ao longo de dois anos. Na cimeira de segunda-feira foi aprovado um incentivo financeiro para os países que participarem nesse mecanismo, que terão direito a embolsar seis mil euros por cada indivíduo recebido. Com o avolumar da crise, Bruxelas decidiu aumentar a quota em mais 120 mil refugiados – um número que, para António Guterres, “está longe do desejável” mas pode ser considerado “a base mínima para haver uma resposta à crise”.

Mas além das quotas, os ministros também discutiram planos para o financiamento de novos campos de refugiados, a construir em África e noutros pontos fora do continente europeu, para onde as populações em fuga da guerra civil ou da violência de grupos armados possam ser encaminhadas. Segundo o jornal britânico The Guardian, a entrada em funcionamento desses “centros de recepção” de refugiados deixaria os países da UE “numa posição de classificar os pedidos de asilo desses refugiados como inadmissíveis, na base de que já estão em países terceiros considerados seguros”.

Sugerir correcção
Ler 24 comentários