Afogamento dos direitos humanos no Mediterrâneo

A resposta aos islamistas não é a criação de uma fortaleza fechada.

O que está a acontecer aos migrantes vindos do sul, no Mediterrâneo e às portas das cidades europeias, coloca em cima da mesa com toda a força a questão dos mais elementares direitos humanos.

Os relatos dos migrantes vindos do sul daquele mar assustam, chocam, tal é grau de crueldade e maldade contra gente indefesa e incapaz de se defender.

Essas levas humanas fogem à miséria, à fome, para acalentar a esperança de poderem continuar a viver.

Para eles não haverá grande diferença entre morrerem na Líbia, na Síria, na Etiópia, no Sudão, às mãos sanguinárias do Estado Islâmico, ou no Mediterrâneo, em Calais abocanhados por cães, ao rés de um muro em construção na Hungria, em Viena encerrados em camiões (em condições bem piores que animais),em praias da Grécia, Turquia ou Itália.

Pode ser que não morram pelo caminho e que sobrevivam em ”barcos” que os levam à Europa, onde esperam poder continuar as suas vidas em paz e segurança.

Fogem ao despotismo e às guerras que incendeiam a região. Fogem ainda de situações em que todos estão contra todos até à vitória do que reunir mais força económica ou militar em territórios retirados ao controlo de Estados saídos do Acordo Sykes-Picot, assinado em 1916.

A bandeira do E.I. ergue-se num território maior que o Reino Unido e estende-se o Mediterrâneo na Síria até ao Iraque profundo.

Para quem pretendeu justificar as suas intervenções militares ou de outra ordem em defesa dos direitos do homem haveremos de concordar que esses princípios são diariamente espezinhados em toda a região. É o Inverno, a Primavera foi-se.

A NATO ao bombardear os sustentáculos do regime que tinha à frente Kadhafi e colocando no poder a oposição fez surgir uma onda de violência imparável entre tribos e bandos armados liquidando os frágeis alicerces do Estado líbio.

A Líbia é um imenso território de desordem, saque e caos entre o Estado Islâmico e outros islamistas e outro tipo de bandidos escudados em causas alegadamente religiosas

A invasão do Iraque deu origem ao mundo da violência mais brutal entre diferentes comunidades iraquianas criando condições para o E.I. ter tomado o poder em vastas áreas do país incluindo algumas com exploração do petróleo, vendendo-o no mercado negro, alimentando assim o seu poderoso exército capaz de se bater com o exército iraquiano e sírio, como se viu em Faluja, Mosul, Raqa e Palmira.

É dever recordar que Bush, Dick Cheney, Condoleezza Rice e Cª, após ter sido desmascarada a falsidade da existência de armas de destruição maciça no Iraque, passaram a defender que a invasão visava proteger os direitos humanos.

Ninguém questiona que hoje no Iraque os direitos humanos se encontram em situação bem pior do que estavam durante o regime brutal de Saddam Hussein.

A guerra civil síria, aliada à situação caótica no Iraque, na Líbia e em parte no Egito e Tunísia, criam vastas áreas onde o poder ou não existe, ou está nas mãos do Estado Islâmico ou de grupos armados.

Nestas zonas o mais elementar direito, o direito à vida, sem o qual os outros não fazem sentido, não está assegurado.

Grande parte das populações estão sujeitas a todo o tipo de violência dos poderes de direito ou de facto.

Só lhes resta migrar. Morrer a caminho da esperança é diferente de morrer às mãos perversas da crueldade política ou religiosa ou bandidesca ou ainda de todas juntas. Por isso fogem. Mas há o mar que os separa de um continente que veem como terra de liberdade e fartura.

O desespero leva-os a riscos terríveis na travessia. E são já alguns milhares que em vez de segurança encontraram a morte no Mediterrâneo; e os que sobrevivem vão encontrar, no continente de grandes revoluções que significaram conquistas incríveis, muros, redes de arame farpado ligado á corrente elétrica, cães. E ,também, felizmente solidariedade.

São famintos, doentes a necessitarem de ajuda devido a sua fragilidade numa União em que a circulação do capital é livre, mas não a de seres humanos.

Os direitos humanos não podem ficar à porta dos países com governos cruéis e obscurantistas só porque os negócios das grandes multinacionais norte-americanas, inglesas, francesas ou italianas dão balúrdios.

A resposta aos islamistas não é a criação de uma fortaleza fechada e que vive do confronto com os países do sul do Mediterrâneo.

É nestas alturas que a civilização democrática e os direitos humanos devem ser a bandeira dos povos e dos Estados, rejeitando a violência, a exclusão, o racismo e a guerra. O Papa Francisco falou no Verão de 2014 do início da terceira guerra mundial. São muitas as guerras a estalarem por todo o lado. Além disso as guerras são sempre precedidas por grandes migrações. Quem se esquece dos judeus obrigados a fugir da Alemanha nazi?

Advogado, autor do livro Direitos Humanos, dever de ingerência?

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