Quem com matas mata

Até os apoiantes mais fervorosos de António Costa franziram o nariz à sugestão de colocar refugiados a limparem as matas portuguesas. O que não se percebe: esta é capaz de ser a primeira vez que Costa mostra ser um estadista com visão. É muito provável que refugiados que arriscam a vida em travessias marítimas sejam as maiores autoridades em limpeza de mata, na medida em que se fartaram de apanhar vário tipo de galhos para construir balsas ou outro tipo de semi-embarcações. São peritos na selecção e recolha de lenha. É uma mais-valia a ter em conta.

Não é, de resto, a primeira vez que grandes migrações no Médio Oriente têm no seu âmago, justamente, matagal. Há cerca de 3000 anos uma silva encarniçada indicou a um pastor de cabras do Monte Sinai que fora escolhido para chefiar um grupo de refugiados judeus para fora do Egipto. Desta feita, poderá ter sido a visão de um arbusto do pinhal de Leiria que terá posto em António Costa a ideia de milhares de sírios curvados sobre vegetação ressequida. Existe, obviamente, uma diferença substancial entre Moisés e Costa: o hebreu conversou com a tal sarça ardente, mas Costa queimou-se mesmo com esta conversa.w

Agora, uma vez que já há empresas especializadas que operam competentemente nesse mercado, talvez a limpeza de matas não seja o sítio mais indicado onde aplicar este súbito maná de mão-de-obra barata. Se o objectivo de António Costa é ocupar os refugiados com trabalhos desagradáveis que os portugueses não querem fazer ou que, quando fazem, é mal e porcamente, a contragosto e sem o mínimo esmero, então o melhor é pô-los a organizar a campanha eleitoral do PS. Entre o que tem sido feito pelos marqueteiros profissionais e o que um desempregado sírio de meia-idade poderia gizar, não deve haver grande diferença.

Aliás, o PS tem uma grande experiência na utilização de diferentes grupos étnicos em propaganda eleitoral. Um dos grandes sucessos da campanha de 2011 foram as camionetas carregadas de paquistaneses alentejanos de gama para apoiar José Sócrates num comício em Évora.

Também considero injusto que se ataque António Costa por um suposto aproveitamento eleitoralista desta tragédia. Não é, de todo, a primeira vez que António Costa se mostra preocupado com o destino das vítimas de calamidades. Mal chegou ao PS deu guarida a uma série de náufragos do socratismo, sem olhar a nomes. Claro que, no meio das vítimas, hão-de vir também alguns malfeitores que podem aproveitar-se para praticar patifarias, mas este não é o momento de fazer a selecção, é um risco que corre quem quer ajudar. O mesmo, diga-se, com os refugiados sírios.

Indesmentido, até agora, está o rumor que diz que a primeira mata que António Costa quer ver limpa é a de Monsanto, pois significa que os refugiados têm de entrar em Lisboa e, consequentemente, pagar um euro de taxa turística.     

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