Entrevista

“Os produtores continuam a vir para Hamburgo porque aqui chegam à porta dos clientes”

Parte de uma das regiões mais ricas do Norte da Europa, a cidade de Hamburgo nunca vai desistir do seu porto. Aqui estão os clientes e os produtores nunca vão desistir de aqui chegar, diz Jens Assmann, especialista no porto e nas infra-estruturas portuárias da Câmara de Comércio da cidade.

Quais são as principais particularidades do porto de Hamburgo?
É um porto dentro da cidade, é uma cidade portuária, a maior do mundo. Está em 15º lugar na carga de contentores transportada, estava em sétimo, mas foi ultrapassado nos últimos anos pelos grandes portos asiáticos e do Médio Oriente. Por ano, movimenta cerca de 9 milhões de TEU [medida-padrão equivalente a contentores com 20 pés de comprimento]. Chegámos a esse número em 2007, antes da crise financeira e económica, levou quase nove anos a recuperarmos. A crise atingiu-nos muito porque há dois países com que temos ligações muito fortes. A China é de longe o maior parceiro em importação de contentores, o que faz de Hamburgo o maior parceiro da China na Europa. O segundo país é a Rússia e aqui a queda deveu-se às sanções [impostas pela UE], uma queda de dois dígitos, tal como a da China, em 2009. Antes estávamos com um crescimento anual acima dos dois dígitos; caímos um terço mas estávamos lá muito em cima.

Por que é que esses são os dois parceiros dominantes?
Basta olhar para o mapa e para os portos do Norte da Europa. Hamburgo é o porto mais a Leste da Europa quando se vem da China ou da Rússia e, quanto mais se consegue navegar num grande porta-contentores, mais dinheiro se poupa. Vai-se até onde se pode com os maiores navios, antes de os descarregar e de passar a carga para navios mais pequenos a caminho de São Petersburgo, por exemplo. É também o mais próximo dos grandes portos em relação ao mar Báltico, e também temos uma parcela relevante do transbordo a caminho dos bálticos.

E quais são as desvantagens?
Muitas. Temos quase 120 quilómetros para chegar a Hamburgo pelo rio Elba desde o mar do Norte. A vantagem é que os grandes cargueiros chegam à porta dos clientes para descarregar e podem voltar para trás. A desvantagem é a necessidade constante de aumentar a profundidade e a largura do Elba para acomodar navios cada vez maiores. É um problema histórico. Desde 2003, há uma segunda grande fase de aumento da profundidade e da largura que ainda enfrenta obstáculos e o processo levará alguns anos a concluir, até podermos acomodar navios de 19 mil TEU. A questão da profundidade não é tão complexa porque poderíamos descarregar alguns contentores antes de chegar a Hamburgo, a questão da largura é fundamental.

Os problemas são essencialmente questões de protecção ambiental?
Sim, preocupações ecológicas. A questão está nos tribunais há anos. Há uma directiva europeia que obriga à protecção da qualidade da água nos mares, rios, lagos... Um estado-membro não pode prejudicar a qualidade da água para obter ganhos económicos. É uma lei que foi aprovada em 2001. Não se pensaram as consequências para um porto ou para uma central eléctrica que precise de usar água para arrefecer os seus motores, por exemplo. Em teoria, tornar o rio mais fundo e mais largo não melhora a qualidade da água.

Mas vai acontecer?
Do ponto de vista nacional há esse entendimento. É uma questão que importa para toda a comunidade de Hamburgo e poderá ser feita uma excepção às regras. O processo dura há 12 anos nos tribunais.

Mas os grandes navios continuam a vir para Hamburgo.
Exacto. Podemos perguntar-nos por que é que não vão para Wilhelmshaven, por exemplo, o porto de águas profundas no mar do Norte com uma profundidade de 22 metros; nós temos 13,5 metros nalgumas partes, e alguns dos grandes navios precisam de pelo menos 16. A mesma questão coloca-se em relação a Roterdão. Por que é que não vão para lá? Eles continuam a vir para Hamburgo porque aqui chegam directamente ao mercado, à porta dos clientes, e continua a ser mais eficiente em termos de custos e benefícios. Em Wilhelmshaven não há estradas, comboios, nem redes de ligações marítimas.

Aqui vocês têm as ligações e o software inteligente?
Exacto, e os consumidores. Importamos os bens da Ásia e exportamos bens para a Ásia. Esta é uma das regiões mais ricas da União Europeia e isso torna-a atractiva nos dois sentidos. Há muitas restrições, como a maré, que tem de compensar a falta de profundidade. Mas quando se chega, vale a pena. As ligações são muito importantes. Em Hamburgo, temos a maior percentagem de contentores por comboio, 40% saem daqui por comboio. Há comboios que saem diariamente para a República Checa, Polónia, Áustria, para muitas zonas do Sul da Alemanha.

E em relação ao software, à vanguarda dos sistemas de funcionamento nos terminais?
Este é um bom ano para falarmos disso. A Autoridade Portuária de Hamburgo acolheu o encontro bianual de portos mundiais, uma aliança de 90 portos, pela primeira vez em 30 anos. O tema foram os ‘portos inteligentes’, uma questão que tem duas dimensões: uma tem a ver com a energia, outra com a logística – por exemplo, a existência de sinais que informam o tempo que demora a poder passar-se num determinado terminal, ou as linhas ferroviárias inteligentes que ‘pedem’ óleo. Temos alguns desses sensores.

A ideia é nunca parar.
Sim. E há outro problema, temos cada vez mais porta-contentores a quererem descarregar cada vez mais contentores. Chegam, ficam uma média de 50 horas e querem descarregar 7000 contentores, um terço da capacidade de um terminal. É preciso pensar como é que podem chegar e descarregar sem que todo o espaço disponível seja ocupado. É preciso marcar um espaço antecipadamente e há uma aplicação, por exemplo, que indica aos camiões se têm a janela horária que querem disponível. Em vez de ficarem parados no trânsito, podem usar as mesmas infra-estruturas mas de noite, planear os descansos.

É possível imaginar Hamburgo sem o porto?
Hoje, se tirássemos o porto de Hamburgo ainda sobraria muito. A Airbus e a Lufthansa são de longe os maiores empregadores da cidade, que é a terceira do mundo onde são produzidos mais aviões, a seguir a Seattle e a Toulouse. Mas nós somos internacionais por causa do porto, ou seja, sem o porto não teríamos chegado onde chegámos. Em Hamburgo, ninguém, nem mesmo as associações ambientais, discorda da relevância do porto.