Só 1089 testemunhas pediram reembolso de despesas no último ano

Número corresponde a 136 mil euros pagos pelo Estado e mostra que a maioria das testemunhas continua a não recorrer a esta compensação prevista na lei há vários anos.

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Sindicato até reclama contratação de 300 funcionários judiciais mas não concorda com as regras seguidas pelo ministério RUI GAUDêNCIO

A maioria das testemunhas continua a não pedir o reembolso das despesas de deslocação aos tribunais, uma possibilidade existente na lei há vários anos. Desde que foi lançado o novo modelo de organização dos tribunais, em Setembro do ano passado, e Agosto deste ano só 1089 testemunhas pediram o reembolso das despesas, o que custou aos cofres do Ministério da Justiça 136 mil euros (cada uma recebeu em média 126 euros). No período homólogo, entre Setembro de 2013 e Agosto de 2014 foram pagos 164 mil euros referentes a 1561 pedidos de reembolso (cada uma recebeu em média 106 euros).

Os números que foram enviados ao PÚBLICO pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) surpreendem os representantes dos vários agentes do sector da justiça que esperavam que os pedidos de reembolso e a despesa total aumentassem. A aposta na especialização dos tribunais teve como consequência o aumento das distâncias entre estes e os cidadãos, concentrando os principais litígios nas capitais dos distritos. A reforma levou ao encerramento de 20 tribunais e à transformação de 27 em secções de proximidade, a esmagadora maioria no interior do país, o que agravou ainda mais a distâncias nessas regiões. Porém, Juízes, procuradores e funcionários judiciais admitem que o período em análise é atípico já que com o colapso da plataforma informática Citius em Setembro e Outubro do ano passado, a Justiça esteve parada durante 44 dias e muitas diligências foram adiadas.

Certo é que o número diminuto de pedidos contrasta com as centenas de milhares de processos concluídos anualmente nos tribunais de primeira instância, sendo que em 2013 foram finalizados mais de 852 mil processos. Sem dados oficiais sobre o universo global de processos judicias neste último ano, resta constatar que no ano anterior (entre Setembro de 2013 e Agosto de 2014) foram recebidos 1561 pedidos de reembolso.

A presidente do instituto, a juíza Albertina Pedroso, admite que os pedidos de reembolso são “muito pouco utilizados” por que a maioria das testemunhas desconhece essa possibilidade. A presidente da ASJP concorda e defende que “na notificação em que o tribunal convoca a testemunha, aquela deveria ser informada dessa possibilidade”. No entanto, sublinha, esse procedimento depende do programa informático nos tribunais gerido pelo IGFEJ e que não permite aos tribunais incluir essa informação no aviso. “Não tenho dúvidas de que se as pessoas fossem devidamente informadas, aumentaria o recurso a esse reembolso e a despesa também”, acrescenta a juíza Maria José Costeira.

Albertina Pedroso pensa que a diminuição dos reembolsos de despesa às testemunhas também pode ser explicado com um “maior recurso ao uso da videoconferência”, que evita que as pessoas se desloquem aos tribunais mais longínquos. Mas o argumento não convence os magistrados. “Não temos indicação de que isso esteja mesmo a acontecer, mas se estiver, o maior uso da videoconferência é uma consequência e não uma aposta. Se as pessoas ficaram longe dos tribunais passamos a recorrer esse meio sempre que possível para as inquirir”, explica a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Maria José Costeira. De resto, a magistrada realça “o ano atípico” em que “não se podem fazer comparações honestas”.  

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Também os procuradores do Ministério Público salientam a surpresa face à aparente redução. “Primeiro, porque até há bem pouco tempo o ministério admitia não ter estatísticas fiáveis para avaliar a implantação do novo mapa e agora tem essas estatísticas. Segundo, porque esperava um aumento com o aumento das distâncias, mas fica por saber, porque não há estatísticas, se na verdade essa redução não se deve a uma diminuição do número de julgamentos. Por isso, não tiro daí conclusões”, diz presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas.

Já o presidente do Sindicato dos Funcionário Judiciais, Fernando Jorge, faz questão de realçar que “nos tribunais se verificou uma diminuição das diligências processuais sendo, por nisso, natural que se registem menos pedidos”. Fernando Jorge é outro dos dirigentes que insiste que “este ano é atípico para comparações” devido ao “crash do Citius”, altura em que “houve vários atrasos nos processos”. O responsável sindical confirmou, contudo, “o maior uso da videoconferência” até porque agora, sublinhou, “está mais eficaz, falhando menos”.

Mas aquele dirigente salienta que “não é a mesma coisa, em termos da qualidade da inquirição, ouvir uma pessoa através de uma televisão”. São os juízes que em cada processo têm a decisão final sobre se a testemunha pode ou não ser ouvida à distância por videoconferência.      

O presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça, Carlos Almeida, acredita que a diminuição dos custos pode estar ligada ao lançamento do novo mapa judiciário, mas não devido às videoconferências. “Acho que é mais o desconhecimento das pessoas sobre essa possibilidade e o facto de que com esta reforma terem ficado com a noção de que ainda têm menos direitos na Justiça”, aponta Carlos Almeida. O instituto garante que controla o uso da videoconferência, mas diz que actualmente não é possível “medir”, com números, o aumento da utilização desse recurso.

No mês passado, numa reportagem do PÚBLICO no interior do país, foi possível constatar a falta de informação sobre os reembolsos. Artur Gonçalves, de Montalegre, contou que se queixara ao juiz durante um depoimento no Tribunal de Vila Real sobre o dinheiro gasto em viagens. “Perguntei: 'Então como é com o dinheirinho senhor juiz? Isto fica longe...'”. “Mandou-me falar do assalto e disse que isso não era para ali chamado”. E assim ficaram as suas contas.

Talvez por isso, funcionários e procuradores defendem que o Ministério da Justiça deveria também publicitar nos tribunais a possibilidade de as testemunhas pedirem o reembolso das despesas. “O Ministério Público e os advogados deveriam também informar as pessoas”, salienta o presidente do Sindicato dos Funcionário Judiciais, Fernando Jorge. Mas António Ventinhas do SMMP não acredita na vontade da tutela: “não sei se o ministério terá interesse nisso porque isso aumentaria o montante pago. Seria mais despesa para o Estado”.       

O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter comentários da bastonária da Ordem dos Advogados. Já a Procuradoria-Geral da República disse que só se pronunciará sobre “o funcionamento do sistema de justiça e respectivas dificuldades aquando da apresentação do relatório anual”.          

De acordo com a presidente do IGFEJ, basta à testemunha apresentar um requerimento ao juiz do processo, com os comprovativos das despesas que realizou. Também poderá solicitar a compensação por verbas que se deixou de receber, em virtude da deslocação ao tribunal. “Depois o juiz defere ou não o pedido. Se deferir é emitida uma nota de despesa através de um documento electrónico que é comunicada ao instituto que paga o montante à testemunha”, explica Albertina Pedroso.     

As despesas são incluídas nas contas das custas do processo e ficarão a cargo da parte perdedora no caso de esta não beneficiar de apoio judiciário. Este regime aplica-se apenas às testemunhas notificadas para comparecer em tribunal e exclui aquelas que cabe a uma das partes apresentar, o que ocorre mais no processo cível. O IGFEJ serve, por isso, de intermediário adiantando o dinheiro, mas a Maria José Costeira alerta para excepções: “em processos de insolvência com massa falida e em processos-crime em que o arguido é absolvido ou condenado, mas não tem capacidade financeira suficiente, a parte que perde não paga”.          

O coordenador do centro de formação do Sindicato dos Funcionários Judiciais e especialista em custas processuais, Diamantino Pereira, explica que a “maioria da despesa paga é referente a deslocações” e que segundo as tabelas em vigor no Ministério da Justiça são pagos 20 cêntimos por cada quilómetro. “Já é assim há vários anos e muitas vezes é muito pouco para cobrir a despesa real”, critica.

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