Afundar o PS ou não, eis a questão

Para Sócrates, uma derrota eleitoral do PS com as suas impressões digitais em todo o lado transformá-lo-iam num homem ainda mais isolado do que já está.

Quando Mário Soares vai visitar José Sócrates três vezes em três dias consecutivos, não é certamente para averiguar se ele se está a adaptar bem às suas novas instalações – Soares está a desempenhar o velho papel de figura tutelar do Partido Socialista e a servir de ponte entre Sócrates e António Costa. Que é como quem diz: Soares está a fazer o que pode para que o animal feroz não saia da jaula antes das eleições de 4 de Outubro.

O depoimento do ex-primeiro ministro ao Jornal de Notícias de terça-feira não aparece por acaso. Dá para ouvir todo o aparelho socialista a sussurrar-lhe ao ouvido aquela mensagem: “Há um tempo para tudo. Neste momento, o que mais me importa é que todos aqueles que se batem por uma alternativa política de mudança saibam que estou do seu lado. Ao lado do PS, ao lado de António Costa, pela vitória eleitoral.”

O significado desta mensagem é claro. Ao contrário daquilo que os seus advogados sugeriram na primeira conferência de imprensa pós-prisão domiciliária, Sócrates não vai falar antes das eleições, ou, pelo menos, não falará de forma demasiado efusiva, com grandes entrevistas às televisões ou aos jornais. Isso seria uma afronta directa ao seu partido, e Sócrates não quererá arriscar tamanha imprudência. Até porque não tem necessidade disso: ninguém acredita que o Ministério Público se atreva a avançar com uma acusação antes das legislativas.

É certo que toda a defesa de José Sócrates tem consistido num processo de vitimização, e para esse processo continuar com eficácia é preferível que António Costa perca as próximas eleições. Sócrates não se cansa de falar na história do preso político, e o advogado Pedro Delille, em entrevista à TVI24 após a sua saída de Évora, voltou a expor com grande clareza as linhas dessa tese, aconselhando toda a gente a olhar para as sondagens em Outubro de 2014, altura em que Costa tinha acabado de ser eleito, e verificar como o PS começou a cair sistematicamente desde a detenção de Sócrates, a 21 de Novembro de 2014. Traduzindo em miúdos: a sua prisão foi uma golpada de um Ministério Público controlado pela direita, com o objectivo de levar Pedro Passos Coelho ao colo até à sua inesperada reeleição.

O problema, como certamente muita gente (Soares incluído) lhe poderá explicar, é que, tirando Armando Vara, Carlos Santos Silva e o seu primo desaparecido, pouca gente estará disponível para subscrever publicamente tal tese. A derrota de António Costa nas legislativas é vantajosa para a narrativa de José Sócrates, sim senhor, só que essa é já uma narrativa de desespero. Sócrates vem optando pela tese do preso político pela simples razão de que não tem uma boa justificação para aquilo que ele próprio e a sua defesa já admitiram ser verdade: as recorrentes entregas de dinheiro em envelopes, por “não confiar nos modos normais de circulação de fundos” (citação de um dos seus advogados), e a requisição de intermináveis favores a um amigo seu com relação directa a numerosa obras públicas, para sustentar um estilo de vida que os seus rendimentos não podiam pagar.

Portanto, embora Sócrates esteja mortinho por tramar Costa, dada a sua manifesta falta de solidariedade, a verdade é que isso seria, mesmo para ele, uma jogada demasiado arriscada: uma derrota eleitoral do PS com as suas impressões digitais em todo o lado transformá-lo-iam num homem ainda mais isolado do que já está. Nem Sócrates é assim tão doido.

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