Da Grécia à Hungria, os obstáculos multiplicam-se para milhares de refugiados

É preciso mudar a política europeia de asilo, afirma a Alemanha, que acha possível continuar a receber meio milhões de refugiados nos próximos anos. ACNUR alerta sobre novas leis húngaras.

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Imigrantes rodeados pela polícia húngara junto à fronteira com a Sérvia ATTILA KISBENEDEK/AFP

“Eu vivia como um rei um Alepo”, a cidade destruída pela guerra que reduz a escombros a Síria e a alma dos sírios há cinco anos. “Tinha um bom negócio de madeiras, mas agora não há futuro na Síria. A guerra pode durar mais 20 anos. Não quero que as únicas opções dos meus filhinhos sejam tornar-se pedintes ou ladrões”, afirmou Hassan Abu Walied, de 45 anos, que há pouco tempo chegou a um campo de refugiados em Nuremberga, na Alemanha, após uma longa viagem que incluiu um barco com motor avariado, e polícias corruptos, que tanto lhe deram pontapés como exigiram dinheiro para os deixar passar na fronteira, na Macedónia e na Hungria.

Ainda pensou registar-se num campo de refugiados das Nações Unidas na Turquia, para tentar obter ajuda para ir para a Europa ou para os Estados Unidos, mas a espera prometia ser longa, contou ao Guardian: Disseram-lhe que antes de 2022 era pouco provável que conseguisse deixar a Turquia. “Eu sabia que não podia sobreviver durante tanto tempo ali sem ter alguma fonte de rendimento”, explicou.

Por isso, Walied tornou-se num dos 366 mil refugiados que já atravessaram o Mediterrâneo este ano, segundo números do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) – um êxodo que até ao fim do ano podem chegar a 400 mil, e em 2016 ser de outros 450 mil.

Outros sírios, iraquianos, afegãos, continuam a fazer a mesma viagem que Walied fez. A ilha grega de Lesbos é neste momento “uma tragédia humanitária” – é assim que a Cruz Vermelha define o que se está a passar ali. Milhares de pessoas – o Governo provisório grego fala em 18, 20 mil pessoas, mas a BBC diz que podem ser até 30 mil pessoas  numa ilha em de 85 mil habitantes.

Dormem em tendas, nas ruas, sem organização – estão presas na ilha porque só podem sair dali depois de se registarem. A Frontex, a agência europeia de fronteiras, ofereceu-se esta terça-feira para enviar mais pessoal para Lesbos e para outra ilha, Kos, para ter duas equipas a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana. Os refugiados têm de mostrar a identificação para comprar um dos bilhetes nos navios de cruzeiros requisitados pelo Governo para os transportar para o continente. O primeiro, com capacidade para 2500 pessoas, chegou na tarde desta terça-feira a Atenas.

Caos das leis de Orbán
Quem consegue chegar a Atenas parte para a fronteira com a Macedónia – onde na segunda-feira chegaram 7700 pessoas. São cada vez mais mulheres e crianças – 40% dos que cruzaram a fronteira entre a Macedónia e a Sérvia, entre 1 e 6 de Setembro, segundo a UNICEF.

A Hungria é o obstáculo seguinte e é um inferno para os refugiados. O ministro da Defesa terá sido afastado pelo primeiro-ministro Viktor Orbán na segunda-feira porque este não estava satisfeito com o andamento da construção da vedação de quatro metros de altura ao longo dos 175 km de fronteira com a Sérvia. A polícia obriga os refugiados a permanecer em Roszke, na fronteira com a Sérvia, para serem registados. Mas isso demora, e não há abrigos, embora voluntários tenham fornecido tendas.

Se até agora tem estado muito calor, nas últimas noites arrefeceu. Muitas pessoas dormiram ao relento, num campo aberto – e a temperatura desceu muito esta manhã. Já com o primeiro calor do sol, faziam seis graus.

Alguns furaram o cordão policial, correndo com os filhos ao colo pelos campos de milho e de girassóis vizinhos, numa tentativa desesperada de sair dali, alcançar a auto-estrada, caminhar até Budapeste. A polícia não os perseguiu, relata a CNN. Mas durante o dia, houve alguns confrontos, com os agentes a usar bastões e gás lacrimogénio.

Quanto entrar a vigor, a 15 de Setembro, a nova legislação que permite declarar o estado de emergência devido a “imigração maciça” – se mais de 500 imigrantes pedirem o estatuto de refugiado por mês, segundo a tradução do blogue Hungarian Spectrum – e accionar o exército, tudo se tornará ainda mais complicado. “A aplicação desta lei tem de ser bem pensada. Se não, será o caos na fronteira a partir do dia 15”, avisou Vincent Cochetel, director do ACNUR para a Europa.

Nova política de asilo
Muitos procuram a Alemanha, que espera receber 800 mil pedidos de asilo este ano. E durante os próximos anos, a procura deverá continuar alta, talvez na ordem do meio milhão, reconheceu o vice-chanceler Sigmar Gabriel. “Fico feliz por ver que a Alemanha se tornou um país que tantas pessoas agora associam à esperança”, disse a chanceler Angela Merkel. Mas a União Europeia tem de passar a dar uma resposta concertada, de forma duradoura.

“Não é aceitável que algumas pessoas continuem a dizer que isto não tem nada a ver com elas”, afirmou Merkel. Com estas palavras visava líderes como o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que disse que os refugiados são “um problema alemão”, porque a maioria quer ir para a Alemanha. Ou então o Presidente polaco, e os primeiros-ministros checo e eslovaco, que reiteraram a sua oposição ao novo plano da Comissão Europeia, para distribuir os refugiados pelos países da UE, através de um sistema de quotas obrigatório e permanente. Jean-Claude Juncker apresenta a proposta da Comissão esta quarta-feira no Parlamento Europeu para distribuir 160 mil refugiados.

“A proposta de Juncker é um primeiro passo importante. Mas precisamos é de uma política de asilo diferente, porque a actual não funciona”, afirmou Merkel, em Berlim tendo ao lado o primeiro-ministro sueco Stefan Löfven – o país da UE com maior número de requerentes de asilo em relação à sua população, e que deve receber 74 mil refugiados este ano.

“Não devemos fazer de conta de que isto é uma tarefa fácil”, disse Sigmar Gabriel. “Podemos receber 800 mil refugiados este ano, dar-lhes casas e ajudá-los a integrarem-se. Mas deve ficar claro para toda a gente que isto não pode continuar a ser assim todos os anos. Precisamos de uma nova política europeia de asilo”.

Mas a solidariedade de que está a dar prova a Alemanha é difícil de igualar. Ainda que o Governo de Paris se esforçar para a acompanhar, várias sondagens têm mostrado que os franceses não têm a mesma disponibilidade. O estudo de opinião feito pela Odoxa para o jornal Le Parisien, por exemplo, já feito depois das fotos do menino sírio de três anos Alan Kurdi naufragado numa praia da Turquia terem chocado o mundo, revela que 55% dos franceses se opõem a que o seu país suavize as regras para atribuição de asilo, como a Alemanha fez. E 62% considera que as pessoas que fogem da Síria devem ser tratadas como quaisquer outros imigrantes. Só 32% dos franceses está convencido de que os sírios devem ser recebidos como refugiados e, por isso, ser protegidas pela lei internacional.

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