Ele fotografou "um genocídio silencioso”
Casos de malformação, aborto espontâneo e cancro aumentaram exponencialmente desde a implementação do uso dos glifosatos no cultivo de alimentos na Argentina há 20 anos. O P3 falou com o fotógrafo Pablo Piovano, que retratou as vítimas
“Custa crer que boa parte dos alimentos que estão na nossa mesa diariamente sejam criados num laboratório e fumigados com químicos altamente tóxicos”, lamenta o fotógrafo argentino Pablo Piovano.
Segundo a Rede de Médicos de Povos Fumigados da Argentina — organização independente que desenvolve estudos nas zonas onde são mais frequentes as fumigações químicas sobre áreas cultivadas —, a saúde de 16,4 milhões de pessoas é afectada, o que se traduz em aproximadamente um terço dos argentinos. “Em algumas povoações, no período de menos de uma década, os casos de cancro infantil triplicaram, houve um aumento de 400% de casos de aborto espontâneo e de malformações em recém-nascidos.” O glifosato e o 2.4D (que são também componentes do famoso Agente Laranja) são herbicidas de uso corrente na Argentina. A Organização Mundial de Saúde classifica vários destes químicos como “potencialmente cancerígenos”, sem arriscar uma afirmação peremptória contra ou a favor da sua utilização.
Pablo Piovano percorreu seis mil quilómetros no litoral e norte do país e conheceu pessoalmente as vítimas do que considera tratar-se de “um genocídio silencioso”. Na grande maioria dos casos que documentou em "O Custo Humano dos Agrotóxicos", as vítimas são crianças/jovens cujos pais estiveram em contacto directo com as substâncias tóxicas. O trabalho agrícola é o tipo de trabalho mais comum na região visitada pelo fotógrafo, o que deixa a população numa posição de enorme fragilidade.
"Um exemplo vivo do impacto dos agrotóxicos"
O projecto "O Custo Humano dos Agrotóxicos" inclui diversos casos, mas aquele que Piovano considera mais impactante é o de Fabián Tomàsi. “Ele fazia carga e descarga de químicos a partir de um avião” descreve. “Contactou com todo o tipo de agroquímicos. Ele é o exemplo vivo do impacto dos agrotóxicos na saúde humana. Tem politraumatismos de todo o tipo: não pode levantar uma chávena de café, com as mãos não consegue fazer nada e está fraco como um esqueleto” descreve o fotógrafo. Fabián é conhecido na Argentina por dar voz à luta contra a utilização de agrotóxicos, “está sempre aberto a falar sobre o assunto com qualquer que seja o meio de comunicação social que o solicite”.
Outro caso que considera relevante é o de uma família da província de Misiones. “Nesta família, todos tinham uma afecção resultante do contacto com agrotóxicos.” Andrea inalou, aos 8 anos de idade, o pesticida bromometano, o que resultou em 9 dias de internamento nos cuidados intensivos, perda parcial de função motora e falência renal. Três vezes por semana, Andrea faz diálise. “O irmão mais novo, que agora tem vinte anos, é como um bebé. Tem problemas neurológicos graves. O pai tem cancro.” A mãe morreu há anos, vítima de um enfarte do miocárdio em sequência da notícia do internamento da filha.
"No que toca este assunto, existe paz entre governo e meios de comunicação"
Apesar das consequências da utilização de químicos na produção alimentar, na Argentina, o assunto não é abordado com frequência pelos meios de comunicação, segundo Pablo. “Na Argentina existe uma espécie de guerra entre o oficialismo e os meios de comunicação social. No que toca este assunto, existe paz entre ambos. É o que nós chamamos de ‘lado de negócio’. Para mim é muito claro. Os meios de comunicação são cúmplices das grandes corporações que detêm grande parte da terra e do negócio.” Em 1996, o governo argentino assinou um acordo com a empresa líder mundial no sector da biotecnologia agrícola, a Monsanto, que introduziu no país a comercialização e produção de soja transgénica e que abriu portas ao uso do herbicida glifosato, segundo o autor, “sem qualquer análise científica ou avaliação de danos humanos”. Em consequência, em 2012 “vinte e um milhões de hectares eram dedicados ao cultivo de soja transgénica, cobrindo 60% da área cultivável do país. No mesmo ano, “370 milhões de litros de agroquímicos foram aplicados no solo argentino. Não existe qualquer lei na Argentina que regule a utilização de herbicidas, apesar de o glifosato estar proibido em 74 países. Em 2014, os lucros da Monsanto rondaram os 16 mil milhões de dólares”.
O vídeo do projecto "O Custo Humano dos Agrotóxicos" inclui imagens inéditas e testemunhos na primeira pessoa. O projecto do fotojornalista do "Pagina/12" já foi publicado em alguma imprensa da América Latina, na Burn Magazine e Photographic Museum of Humanity.