O Ashley Madison e a fúria

O leitor pode pensar que o que vou contar a seguir é invenção, motivada pela estival falta de assunto, mas juro que é verdade: é incrível, mas parece que foram divulgados os dados confidenciais dos utilizadores de um site de infidelidade! Também eu estou abismado que tenha sido possível desrespeitar a integridade do contrato online em que se combina desrespeitar a integridade do contrato do matrimónio. Como é que isto pôde acontecer? É este o mundo que queremos deixar para os nossos filhos, mesmo que o sejam só de nome e tenham outro pai biológico, que a nossa mulher seleccionou na Internet?

A culpa é do povo, que é sábio, mas madraço, e nunca se deu ao trabalho de cunhar adágios populares que pudessem precaver esta situação. Por exemplo, deu-nos o “Quem anda à chuva molha-se”, que avisa quem anda à chuva da possibilidade de se molhar. Temos também um “Quem tudo quer tudo perde”, que adverte as pessoas que querem tudo da hipótese de perderem tudo. Mas, neste caso, fazia falta um alerta do tipo: “Quando é necessária inscrição, não contes com discrição.” Ou: “Se preencheste formulário e exiges segredo, és otário.”

É que usar a Internet para uma actividade que requer sigilo e algum recato é a mesma coisa que pretender assaltar um banco e colocar um anúncio nos classificados do Record a dizer: “Procuram-se comparsas. Um que seja jeitoso com fechaduras, outro que seja forte em demolições. Envie CV para o mail assalto-a-banco@gmail.com.”

A mim não me apanhavam nesta. O adultério nunca me encantou. Não que tenha alguma reserva em enganar a minha mulher. É o que ando a fazer desde o momento em que trocámos alianças. A partir daí, embarquei numa vida dupla. Em casa finjo que sou um homem como deve ser: aparento montar estantes do IKEA, imito pessoas que sabem escolher vinhos, olho com ar entendido para quadros eléctricos, pego em mapas como se os fosse mesmo ler, carrego malas e, tirando empalidecer, pareço não ter uma hérnia, entre outras coisas de homem.

Fora de casa, continuo a ser o bandalho que sempre fui, com a maturidade de uma banana verde. Engano a minha mulher e isso dá trabalho.

Daí que não tenha qualquer interesse em arranjar outra mulher que teria, forçosamente, de enganar. Se tivesse uma amante também tinha de fingir que era um homem como deve ser fora de casa, em vez de ser o bandalho que finge ser um homem como deve ser em casa.

(É, aliás, a minha filosofia sobre o ménage à trois: não vou introduzir uma segunda mulher no acto sexual quando ainda não domino a coisa só com uma. Seria a mesma coisa que um acrobata passar a usar cinco bolas no seu número de malabarismo, antes de conseguir aguentar-se com quatro. No fundo, é uma questão de educação e acabar primeiro o que se tem no prato.)

Se eu recorresse aos serviços do Ashley Madison, ia pôr-me a jeito. Calhasse a minha mulher apanhar o meu perfil no computador e estava tramado. “Estás maluco? Gostas desta badocha? É muito mais gorda do que eu! Ou achas que não? Estou gorda, é isso? Porque é que não tentas engatar antes esta rapariga? Veste-se muito melhor. Os brincos são giríssimos. Marca um encontro e pergunta-lhe onde é que os comprou.” Não preciso disto na minha vida dupla.

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