Há dias com sorte

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Titulou o PÚBLICO: “Continua a maldição de Renaud Lavillenie.” Corroborou o Libération: “Lavillenie: malditos mundiais.” Na segunda-feira, em Pequim, o francês Renaud Lavillenie, 28 anos, voltou a falhar o único título que lhe falta, o de campeão do mundo do salto à vara. Levou o bronze.

Foi o segundo atleta, depois de Serguei Bubka, a passar a mítica barra dos seis metros, em 2009. Daí em diante domina a disciplina: cinco vezes campeão de França, três vezes da Europa, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Londres. Em 2014, em Donetsk, bateu o recorde do mundo saltando 6,16 metros, mais um centímetro do que a velha marca de Bubka, que assistia à prova. Só um título lhe foge: o campeonato do mundo. Teve em Pequim o seu quarto fracasso.

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Renaud Lavellenie falha o último salto no Campeonato do Mundo em Pequim, a 24 de Agosto PEDRO UGARTE/AFP

Lavillenie nega a maldição: apenas falhou o concurso. Falhou as três tentativas a 5,90 metros. Já passou os 6 metros 16 vezes e foi o único a fazê-lo este ano. Recusa desculpas físicas ou mentais. Passou ao lado do triunfo, é tudo. Há dias com sorte. E a sorte tem duas faces, a boa e a má. Três vezes falhou a passagem para lá da barra depois de ter subido claramente acima dela. Tinha feito o primeiro ensaio a 5,80 metros, muito acima da barra, o que fazia antever “um passeio triunfal até ao ouro”, anotou no PÚBLICO Luís Lopes.

Uma questão psicológica, a pressão do título que lhe falta? Ele volta a negar: “Honestamente não. Não me passou pela cabeça. A cabeça estava bem, não senti stress nem pressão.” Não percebe. “Hoje não fui capaz de colocar bem a vara. É uma vara que domino bem, é a que uso habitualmente. Faço quase sempre três vezes o mesmo salto.”

Ao contrário de Bubka, que tinha o cuidado de bater os recordes “por um centímetro”, fazendo-o 35 vezes para acumular prémios nos grandes meetings, Lavellenie “considera o dinheiro uma coisa secundária, luxo a que só alguns privilegiados se podem dar”, escreve o le Monde. É o ouro que o obceca. Menosprezou as duas medalhas de bronze e a de prata que ganhou em Mundiais. Mas o fracasso pode ser virtuoso, especula o le Monde: “Lavellenie não corre o risco de ser um atleta saciado.” Pode igualar o feito de Bubka: ganhar todos os títulos. Basta-lhe desmentir, daqui a dois anos em Londres, a “maldição dos Mundiais”. Mas não igualará os seis títulos mundiais do ucraniano: teria de ganhar todos os campeonatos até 2029. Pode superá-lo, sim, nos Jogos Olímpicos do Brasil em 2016: só uma vez Bubka ganhou o ouro olímpico.

Moral da história? Ele diz ao L’Équipe: “O salto à vara não é uma coisa que se escreva como se deseja. Infelizmente, podes estar numa superforma e falhar. É preciso saber aceitá-lo.” É o encanto do atletismo e da competição. E talvez da vida.

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