A revolução das impressoras 3D ainda não bateu à porta de casa

São ferramentas poderosas em vários sectores da indústria. Dão origem a novos negócios e a inovações na medicina. Mas as impressoras capazes de criar objectos não encontraram lugar no ambiente doméstico.

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O logótipo do PÚBLICO, a ser impresso na 3DSpot Enric Vives-Rubio
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Um logótipo do PÚBLICO já finalizado Enric Vives-Rubio
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Uma figura criada pela 3Dspot a partir de pessoas Enric Vives-Rubio

A ideia era promissora: uma loja onde os clientes pudessem materializar, em plástico, objectos que tivessem desenhado no computador em casa. Podiam ser brinquedos, brincos, maçanetas de portas, peças decorativas. As pessoas poderiam ainda divulgar no site da loja as suas próprias criações e receber uma comissão se outros estivessem interessados em usá-las.

A 3DSpot abriu as portas com a ideia de ser simultaneamente um centro de impressão e um mercado online para adeptos das impressoras 3D, uma tecnologia que muitas vezes recebe o epíteto de revolucionária. Mas a loja vai fechar em breve.  

Dentro da 3DSpot, numa esquina na zona de Santos, em Lisboa, uma estante exibe várias peças impressas: capas de telemóvel, pequenas jarras, barcos em miniatura (feitos para a artista Joana Vasconcelos). Muitas são feitas através de uma das técnicas mais comuns: a extrusão de plástico, em que um finíssimo filamento vai sendo depositado em sucessivas camadas até ao resultado final.  

Numa prateleira da loja há uma caixa perfurada, feita de uma peça única e com esferas soltas lá dentro. Para ficarem dentro de uma caixa sem abertura, as bolas tiveram de ser impressas ao mesmo tempo que a caixa – é o tipo de proeza que entusiasma os fãs da tecnologia, mas que dificilmente fará as restantes pessoas gastarem centenas de euros numa destas impressoras.   

A loja, uma ideia que surgiu aos quatro fundadores como trabalho de projecto de um MBA, não está a ser um bom negócio. Decidiram, por isso, experimentar um novo rumo: "Estamos a pensar fechar a loja e passar a ser um ateliêr", diz Joana Ogando, que trabalha numa empresa farmacêutica e é uma das fundadoras. Nenhum dos sócios trabalha a tempo inteiro na 3Dspot, que tem três designers e ainda não dá lucro.

Em versão ateliêr, a empresa passará a dedicar-se a uma actividade que se revelou mais rentável: a prestação de serviços a outras empresas. A 3DSpot já foi contratada por agências de publicidade (criaram objectos promocionais para marcas como a Galp e a Matinal) e para projectos industriais de companhias como a TAP e a Siemens. Estão agora a trabalhar para o Museu Nacional de Arte Antiga, a digitalizar em 3D a custódia de Belém, uma intrincada peça de ourivesaria do século XVI.   

"Enquanto a tecnologia não for conhecida, é mais eficaz o negócio se vendermos a quem sabe o que quer", explica Joana Ogando. "Não vamos desistir do cliente final. Mas vamos deixar a divulgação para outros." 

A história da 3DSpot é quase um espelho da tecnologia que a inspirou. A impressão 3D tem sido amplamente usada em ambiente industrial, levou ao aparecimento de novos negócios e startups, e há casos de usos extraordinários na medicina. Permite, por exemplo, a criação fácil e barata de próteses. Também é possível pegar em exames de um doente e criar um modelo tridimensional que dê aos cirurgiões uma ideia mais clara do que vão encontrar na mesa de operações (algo que a 3DSpot está a fazer). Uma equipa do prestigiado Massachusetts Institute of Technology apresentou esta semana uma impressora capaz de criar peças em vidro. Apesar de tudo isto, a tecnologia está longe de se ter massificado junto dos utilizadores finais.   

Mercado pequeno
A impressão 3D não é uma tecnologia nova. Começou na década de 1980, permitindo a empresas criarem rapidamente protótipos de peças que quisessem fabricar. Mas só nos anos recentes surgiram tentativas sérias de vender aos consumidores impressoras muito mais pequenas e baratas do que as usadas na indústria.    

O que estas empresas estão a tentar fazer não é muito diferente do que aconteceu com a Microsoft, a IBM e a Apple há 30 anos, quando os computadores deixaram de ser usados apenas em ambiente profissional e começaram a entrar no espaço doméstico. Há, porém, ainda um longo caminho a percorrer, segundo previsões da empresa de análises Gartner.

No ano passado, a Gartner afirmava que o uso massificado das tecnologias de impressão 3D estaria a uma distância de cinco a dez anos. "A adopção pelos consumidores vai ser ultrapassada pelas aplicações empresariais e pela medicina", lia-se num relatório.  

Segundo aquelas estimativas, o valor do mercado de consumo será oito vezes maior em 2018 do que actualmente. Ao longo de 2015, os consumidores finais deverão gastar em todo o mundo 1600 milhões de dólares com impressoras e material relacionado (como as bobines com os filamentos de plástico). Este valor deverá subir para 13.400 milhões daqui a três anos. São montantes pequenos comparados com os grandes produtos de tecnologia de consumo. O mercado de smartphones, por exemplo, facturou aproximadamente 380 mil milhões de dólares no ano passado.  

"O crescimento tem vindo a acontecer. Mas o mercado é minúsculo face ao potencial", afirma Diogo Quental, co-fundador da BeeVeryCreative, uma empresa portuguesa que comercializa impressoras 3D. "Mas ninguém que investe tem dúvidas de que o 3D vai ser uma realidade de massas.” 

Quental admite que a BeeVeryCreative esperava, quando foi lançada, uma adopção mais rápida da tecnologia. E diz que o mercado “está muito perdido” e “sem um líder” que indique o caminho. 

Um dos grandes solavancos no sector aconteceu há dois anos, com a empresa nova-iorquina Makerbot. Fundada em 2009, é uma das pioneiras nas impressoras para uso não profissional. A companhia (que entretanto já fora comprada por uma outra que comercializa impressoras industriais) anunciou em 2013 que não conseguia cumprir os objectivos financeiros. Fechou as três lojas que tinha e despediu perto de 100 pessoas, o equivalente a 20% da força de trabalho.  
  
Expectativas altas 
Diogo Quental, que recentemente deixou a BeeVeryCreative para criar a GetReady4 3D, uma pequena empresa que se dedica a dar formação na área, diz que o sector tem dificuldades em chegar aos consumidores, em parte por causa do "problema das expectativas" elevadas – um factor a que não será alheio o papel da comunicação social, que frequentemente promete o advento de uma era de objectos feitos em casa e à medida.  

"Os equipamentos que temos em casa serão sempre de utilidade reduzida. O acabamento, por exemplo, não será perfeito", explica Diogo Quental. Numa peça de uma impressora doméstica, as várias camadas de plástico costumam ser visíveis na peça final. Há também pequenas imperfeições, que podem depois ser retiradas, recorrendo a limas ou lixas.  

O tempo de impressão – várias horas para um pequeno objecto – é outro factor adverso. "São pouquíssimas as pessoas que não acham o processo lento", observa Quental. E há ainda as dificuldades técnicas que surgem quando se tenta desenhar um objecto tridimensional em computador. É uma tarefa que requer estudo para os não iniciados, embora muitos sites, disponibilizem milhares de ficheiros com objectos prontos a imprimir. 

Há, por fim, um outro entrave à adopção massificada: o preço. Uma impressora 3D doméstica tipicamente custa várias centenas de euros. Pode ultrapassar os dois mil. Muitas das impressoras na gama mais baixa são vendidas às peças e têm de ser montadas e calibradas por quem as compra, uma tarefa que requer tempo e consideráveis conhecimentos técnicos. 

“Os fabricantes vão tentar adicionar funcionalidades e melhorar o desempenho nestes primeiros anos, e não reduzir os preços”, antecipou o analista da Gartner Pete Basiliere. 

Em sites de financiamento colectivo, como o Kickstarter e o Indiegogo, é fácil encontrar diversos projectos que pedem fundos para custear o fabrico de uma impressora. O "santo graal" parece ser um modelo relativamente barato (nas poucas centenas de euros) e fácil de usar. E também que tenha um aspecto mais próximo da electrónica de consumo moderna do que de um projecto de laboratório, com uma profusão de cabos e componentes à vista.

Uma pesquisa no Kickstarter encontra mais de 300 projectos relacionados com impressão 3D, vários dos quais são projectos para criar um modelo funcional e barato. Algumas empresas já desenvolveram impressoras que parecem ter alcançado esta meta. Mas nem tudo funciona bem.

Uma impressora chamada The Micro, por exemplo, conseguiu 3,4 milhões de dólares de financiamento no Kickstarter para desenvolver uma impressora que 349 dólares, cerca de 300 euros. No entanto, muitos dos que entregaram fundos ou encomendaram a impressora mais tarde têm-se queixado de atrasos de vários meses no envio da impressora, um problema que a empresa já reconheceu. Um outro projecto, chamado Tiko, angariou quase três milhões de dólares para uma modelo que custará 179 dólares. Mas as primeiras unidades só deverão começar a ser expedidas no final do ano.

Promessa de revolução
"Ainda há inúmeros factores que fazem com que a impressão 3D seja muito para os makers", resume Diogo Quental, referindo-se às pessoas que são adeptas de usar várias tecnologias para criarem os seus próprios objectos. "Neste momento, quem compra uma impressora tem de ter energia para fazer o seu próprio caminho. Os makers vêem estes problemas como um desafio."

Por seu lado, Celso Martinho, director de tecnologia do Sapo, nota que "obviamente, houve todo um romance construído à volta do 3D". Martinho está a organizar a Lisbon Maker Faire, a versão portuguesa de um evento internacional que reúne "fazedores" numa mistura de tecnologia e arte. Uma das atracções do evento, que arranca a 18 de Setembro, é uma impressora 3D de grandes dimensões, capaz, por exemplo, de imprimir uma cadeira. Já reproduziu um modelo do IKEA, tarefa que demorou uma noite inteira.

"Ter uma impressora 3D em casa é interessante. É possível produzir à medida uma série de objectos, mas isso não vai substituir o mercado de consumo", considera Celso Martinho, que prefere colocar a tecnologia como parte de uma transformação mais vasta, que permite a indivíduos e pequenas empresas criarem protótipos de produtos inovadores que antes implicavam muito mais recursos financeiros.

"Faço um paralelo muito grande com o que aconteceu com a Internet e o software nos anos 90”, observa o co-fundador do Sapo. “Estamos num momento em que muitas barreiras desapareceram. O acesso à informação deixou de ser uma barreira. O fenómeno da economia global veio destruir as dificuldades do acesso aos componentes. Há toda uma maquinaria que deixou de estar nas mãos das grandes empresas e que passou a estar ao alcance de um teclado”. Celso Martinho é peremptório: “Continuo a dizer que é [uma tecnologia] revolucionária".

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