Provedor de Justiça avalia inconstitucionalidade do recibo electrónico de renda

Associação Nacional de Proprietários aguarda decisão do provedor, mas prepara outra acção judicial a pedir a ilegalidade da norma que acaba com documentos em papel. Contudo, já são emitidos mais de sete mil recibos por dia

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Provedor de Justiça, José de Faria Costa , está a avaliar queixa de associação de proprietários. Nuno Ferreira Santos

O Provedor de Justiça abriu “um procedimento” sobre a obrigatoriedade de emissão de recibo electrónico de renda, na sequência de um pedido de fiscalização de constitucionalidade feito pela Associação Nacional de Proprietários (ANP).

O pedido da ANP recai sobre a portaria que torna obrigatória, a partir de Novembro, da emissão do recibo electrónico de renda aos proprietários com menos de 65 anos, e com rendas mensais superiores a 70 euros mensais. Nos restantes casos, os proprietários podem continuar a passar recibos em papel e a apresentar uma declaração anual com os rendimentos auferidos.

A associação, que directamente não pode pedir a apreciação de inconstitucionalidade, fundamenta o pedido entregue a José de Faria Costa, Provedor de Justiça, na discriminação dos senhorios em função da idade e em função do valor dos rendimentos provenientes das rendas, entre outros factores.

Em resposta a um pedido de informação do PÚBLICO, José de Faria Costa esclarece que a queixa da ANP “motivou a abertura de um procedimento neste órgão do Estado, estando, presentemente, a decorrer diligências instrutórias junto da Autoridade Tributária, tendo em vista o cabal apuramento e esclarecimento da questão suscitada”.

Será depois destas “diligências” que o Provedor de Justiça decidirá se encontra matéria para pedir a fiscalização de constitucionalidade. Há ainda a possibilidade de Faria Costa fazer recomendações ao Ministério das Finanças sobre esta matéria, que não são vinculativas.

Questionada pelo PÚBLICO sobre a abertura do procedimento, o Ministério das Finanças garantiu que, até ao final desta segunda-feira, “a Autoridade Tributária e Aduaneira não tinha recebido qualquer notificação da Provedoria da Justiça sobre o assunto”.

Em causa está a portaria nº 98-A/2015, de 31 de Março, que regulamenta a emissão de recibo electrónico de renda. Em declarações ao PÚBLICO, António Frias Marques, presidente da ANP, contesta a discriminação que é feita, defendendo que “há senhorios com menos de 65 anos que não estão familiarizados com os meios electrónicos, nem têm meios disponíveis, enquanto outros com mais de 65 anos podem estar habilitados para o fazer”.

O responsável contesta ainda a discriminação que é feita em função do valor das rendas, isentando da obrigatoriedade de recibo electrónico os senhorios com rendimentos mensais inferiores a 69,87 euros. Sustenta a ANP que, nos dois casos, está em causa o artigo 13 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece “que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Ninguém pode ser prejudicado pela “situação económica".

Recurso ao Tribunal Administrativo
Apesar de continuar a aguardar pela decisão do Provedor de Justiça sobre a alegada inconstitucionalidade, entregue no início do mês de Junho, a ANP decidiu avançar para a via judicial. António Frias Marques adianta que a associação está a preparar a entrega de uma acção judicial no Supremo Tribunal Administrativo, a pedir a ilegalidade da portaria nº 98-A/2015. O responsável explica que o pedido se baseia no facto de as novas regras se sobreporem ao CIRS (o Código do IRS) aprovado na Assembleia da República, e que a norma vem regulamentar. O CIRS permite a escolha por parte do senhorio da forma como pretende apresentar os seus rendimentos, se mensalmente (via recibos electrónicos), se anualmente, mediante declaração para o efeito.

O presidente da ANP contesta que as normas recentemente introduzidas venham contribuir para a crescente desmaterialização e simplificação no cumprimento das obrigações fiscais, como defende o Governo. Pelo contrário, sustenta o líder associativo, o senhorio fica obrigado a “interagir com a Autoridade Aduaneira durante todo o ano civil e ao longo de 12 meses”.

Sobre a possibilidade de uma terceira pessoa ou entidade poder ficar responsável pela introdução dos dados, substituindo-se ao proprietário, a associação alerta para o risco de acesso a dados fiscais do representado, o que “cria mais um factor de instabilidade para os particulares e um novo factor de desmotivação para o cumprimento das obrigações fiscais”. A estrutura associativa alerta ainda para o custo que o serviço de terceiros pode representar para os senhorios.

Em declarações ao PÚBLICO, o secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, defende a legalidade da norma relativa ao tratamento diferenciado dos cidadãos em função da idade. Em relação à questão da conformidade da portaria com o CIRS, o governante sustenta que se trata de “uma densificação de uma lei, como já aconteceu outras vezes, designadamente nos recibos verdes”.

O governante reafirma que “o regime legal do recibo de renda electrónico foi concretizado para simplificar a vida aos senhorios e para promover o cumprimento voluntário das obrigações fiscais dos proprietários”. Paulo Núncio destaca ainda que “a generalidade das associações de proprietários tem contribuído activamente para a concretização deste novo regime legal”, lembrando os números de contratos registado no Portal das Finanças e de recibos emitidos electronicamente provam isso mesmo.

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