O que lá vai dentro

Era uma vez um convento que ardeu e em cujos terrenos os comerciantes do Porto decidiram erguer um palácio. Local de visita obrigatória, a menos que nos esqueçamos de o mostrar…

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Um velho grupo de amigos veio ao Porto e eu tirei um dia para os acompanhar numa visita guiada pela cidade. Foi só um dia, um belo dia de sol, mas não demasiado quente, perfeito para passear, mas não deixou de ser apenas um dia, o que, é claro, é muito pouco. Quando eles partiram comecei a lamentar-me pelos sítios todos onde os devia ter levado e que ficaram por conhecer. Dou por mim a pensar, por exemplo, porque não os fiz entrar no Palácio da Bolsa, apesar de lá termos passado à porta mais do que uma vez.

O Palácio da Bolsa, casa da Associação Comercial do Porto, é daqueles edifícios que dificilmente qualquer turista minimamente informado deixará de visitar. Pode parecer algo austero por fora, mais um prédio bonitinho, com cara neoclássica, como tantos outros na cidade, mas por dentro é uma beleza. Quem olha para ele da Praça do Infante, não imagina o que lá vai dentro.

E o que lá vai é o resultado de um trabalho longo e minucioso, fruto das vontades e imaginação de vários homens, que projectaram um interior ora leve e luminoso, ora sumptuoso e acolhedor. E pensar que tudo começou com um incêndio…

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O Palácio da Bolsa começou a ser construído em 1842 e levou 70 anos para ficar concluído. Hoje, é dos espaços mais visitados do Porto

A primeira pedra do Palácio da Bolsa foi colocada a 6 de Outubro de 1842. Anos antes, os mercadores portuenses reuniam-se na Bolsa do Comércio do Cidade, na Rua do Infante (numa casa que ainda existe assinalada com um brasão real e que tinha uma passagem interior de ligação à Casa do Infante, que funcionava, na altura, como Alfândega), mas o espaço fechara portas e os mercadores viram-se obrigados a fazer os seus negócios na rua, ou assim reza a lenda. Quando, a 24 de Julho de 1832, em pleno Cerco do Porto, um incêndio devora quase todo o convento de S. Francisco, deixando como única sobrevivente a igreja, os comerciantes pedem à rainha D. Maria II que lhes ceda os terrenos com as ruínas do convento. A 19 de Junho de 1842, a doação é concretizada, mas a rainha faz mais — para ajudar a custear a obra, D. Maria II ordena que a Associação Comercial do Porto receba, durante dez anos, uma receita extraordinária sobre os produtos que passassem pela Alfândega da cidade. Os homens de negócios não esperaram muito para pôr a andar os trabalhos e menos de quatro meses depois o edifício avançava, ainda que fossem precisos 70 anos para que ficasse concluído.

Hoje, o Palácio da Bolsa é dos espaços mais visitados do Porto. No ano passado recebeu mais de 250 mil curiosos, que foram guiados pelas várias salas abertas do edifício. Devem ter erguido as cabeças para apreciar a cúpula de ferro e vidro, da autoria do arquitecto Tomás Soller, que paira sobre o Pátio das Nações, acima dos 20 brasões representando países com os quais eram mantidas relações de amizade e comércio. Provavelmente admiraram-se quando lhes disseram que toda aquela madeira que forra as paredes da Sala das Assembleias Gerais não passa, afinal, de gesso. Podem ter sentido alguma emoção ao depararem-se com a pequena sala de trabalho onde Gustavo Eiffel projectou as várias pontes que iria criar no país. E, de certeza, que se encantaram com o Salão Árabe, tentando perceber onde está a imperfeição inscrita numa sala que, para todos os efeitos, parece perfeita.

A obra, que passou pelas mãos de seis arquitectos principais, iniciando-se com Joaquim da Costa Lima Júnior e terminando com José Marques da Silva, pede atenção e trabalho, e não é raro encontrar por ali especialistas a reabilitar estuques e gessos a fazer de madeira, dando retoques no dourado ou limpando vidros. Assim como não é raro que o Pátio das Nações ou o Salão Árabe se encham de convidados, que o Porto quer impressionar, mostrando-lhes o que de mais luxuoso tem por cá.

Amigos que já foram para casa: para a próxima, não deixem que vos mostre a cidade sem os levar ao Palácio da Bolsa. O melhor, se calhar, era marcarem já uma segunda visita, para tratarmos do assunto.     

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