Festival

Nós flutuamos

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Ela emerge solitária do rio cristalino. Chove na Praia Fluvial do Taboão, por isso não são muitos os que hoje, no derradeiro dia de Vodafone Paredes de Coura, aquele em que mais tarde veríamos um furacão chamado Fuzz, ousam mergulhar na gélida água do Coura. Para a frente e para trás, ela nada, sozinha. Sorri, desaparece por breves segundos, aflora novamente e pára. Flutua então. À tona, só lhe distinguimos os olhos, azuis, que julgámos tão frescos como toda a massa líquida que a rodeia. Mais tarde, arrepiada ao enfrentar o frio exterior, Ana Salt dir-nos-á aquilo que há muito se repete, que "a melhor altura para mergulhar" é mesmo quando as nuvens se fecham. Também o fez nos outros dias de festival, bem mais solares, entre colchões de plástico, jangadas colectivas e saltos acrobáticos. Aqueles em que mirámos casais num abraço sonolento num cisne; em que assistimos, como nunca, a autênticas regatas de barcos de borracha; em que o prado verdejante se pôs repleto para acolher o Verão. Mas agora chove em Coura e Ana está só. Não faz mal. A água é incontornável, é demasiado "viciante". E sempre que, em paz, estaca a flutuar, mantendo-se submersa até aos olhos-periscópio, o mundo é-lhe infinito. "Parece que a água nunca acaba. É muito bonito." E eis que uma canção antiga, de uma velha amiga do festival, nos vem à cabeça e ganha um novo sentido — "We float / take life as it comes", aconselhava-nos PJ Harvey em 2000. Ao despedir-se, Ana remata: "Água é amor". E nós só queremos flutuar também. AR

 

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