Daquele chato do Fausto... Papetti

O título desta crónica é uma citação de uma canção portuguesa. Fausto Bordalo Dias entendeu um dia dar uma cotovelada no seu homónimo italiano e escreveu, em Já foste linda, Rosa!: “Canta uma canção catita/ não editada em cassete/ nem daquele chato do Fausto… Papetti.” Mas quem era esse “chato” do Papetti? Era um dos vários músicos que, à frente de orquestras ou nelas principais solistas, reproduziam êxitos populares em versões orquestrais suaves e muitas vezes melosas que enxameavam salas e quartos de hotéis, elevadores e locais públicos. Aí, não se ouviam os Beatles pelos Beatles, nem Sinatra por Sinatra, mas sim por James Last, Paul Mauriat, Mantovani, Percy Faith ou, claro, Fausto Papetti. O mais curioso é que, entre todos, gravaram e venderam milhões de discos, somando uma lista estonteante de títulos. Só James Last gravou perto de duzentos, entre 1963 e 2004.

Se alguém fizer um levantamento exaustivo dos protagonistas desta “onda” orquestral há-de encontrar mais nomes, mas para já fiquemo-nos por nove dos mais relevantes. Primeiro os franceses: Paul Mauriat (1925-2006) e Franck Pourcel (1913-2000), ambos nascidos em Marselha, e Raymond Lefèvre (1929-2008), nascido em Calais, cidade hoje na ribalta devido à angústia e aos dramas dos milhares de imigrantes que ali aportam. Em segundo lugar, os italianos: Fausto Papetti (1923-1999), nascido na Lombardia, e Paolo Mantovani (1905-1980), natural de Veneza. Em terceiro, os alemães: James Last (1929-2015), nascido em Bremen, e Bert Kaempfert (1923-1980), de Hamburgo. Por fim, os americanos: “Ray” Conniff (1916-2002), nascido no Massachusetts, nos Estados Unidos da América, e Percy Faith (1908-1976), natural de Toronto, no Canadá. Todos eles brilharam no firmamento do chamado “easy listening” e nenhum hoje sobrevive. Percy Faith foi o primeiro a partir, em 1976, e James Last foi o último, para fazer jus ao nome. Morreu a 9 de Junho de 2015, aos 86 anos, em família.

Independentemente da biografia de cada um, e do percurso que os levou a adoptar um género musical que fez história, um pormenor relevante nos seus discos eram as capas. Se James Last, Franck Pourcel (outro dos recordistas, com mais de 250 álbuns gravados) ou Paul Mauriat usavam muitas vezes imagens de si próprios nas capas, outros preferiam o chamariz mais certeiro de qualquer época: girls, girls, girls! Mas nem James Last (que se fez fotografar com um ramo de rosas vermelhas na capa do disco dedicado às valsas de Strauss e se vestiu de toureiro para a capa de Olé!) evitou tal tentação. Beat In Sweet mostrava, ainda que com algum recato, uma rapariga seminua sentada numa cadeira antiga onde estava encostado um violino, e Classics Up To Date exibia uma donzela deitada, envolta num tule azul.

Tudo isso, no entanto, ainda cândido. Paul Mauriat preferia usar jovens de ar doce e algo melancólico, com uma sensualidade mais sugerida que exibida. Podiam ser fotos de família dos anos 50, sujeitas aos cânones que qualquer avó aprovaria. O alemão Bert Kaempfert, por exemplo, recorreu vezes sem conta a imagens que podiam sido tiradas de um bilhete-postal para namorados. Como em Free and Easy ou em Bye Bye Blues, por exemplo. Mas também recorreu a sugestões mais ousadas, como a da jovem-Natal com um cálice de líquido vermelho perto dos lábios, ou, mantendo a matriz alcoólica, a jovem decotada a sorver um cocktail verde por uma palhinha na capa de If I Had You.

Isto ainda no plano mais sofisticado. Plano ao qual não pertencia o chato do Fausto Papetti. Todas as capas dos seus discos, onde raramente surgia com o seu saxofone alto, eram de fazer soar os alarmes da censura. Em lugar de donzelas cândidas, havia jovens ousadas, nuas ou seminuas, envoltas em tecidos provocantes, em poses que podiam ter saído de um calendário dos que decoravam garagens ou tabernas ou do anúncio de um filme pornográfico. A um sax entediante contrapunha-se o esplendor de mil e uma beldades multicoloridas, exibidas sem qualquer reserva ou pudor nas enormes capas dos velhos LP. Era a música de um inesgotável Verão: nos discos sax, nas capas sexo.

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