Cinema Ideal

Descobri um agradável espaço para ver cinema, bem no centro de Lisboa: o Cinema Ideal.

Confesso que nunca me seduziram os cinemas dos centros comerciais: não me entusiasma o convívio barulhento, nem me agrada ter de suportar, durante as sessões, o barulho das pipocas. A minha selecção de filmes procura ser criteriosa e por isso não faz sentido, para mim, ir às compras ou a um passeio pelo centro e “terminar” num cinema.

Embora também veja filmes em casa, prefiro a sala de cinema, onde há melhor visibilidade e menos ruído, por isso compreendo mal a recente perda de espectadores em sala.

Por outro lado, gosto de filmes antigos, sobretudo dos anos dourados de Hollywood, onde uma história bem contada se entrecruza com a vida real dos actores, sempre protagonistas, na tela e na vida, de amores complexos. Esta foi a principal razão que me levou ao recuperado Cinema Ideal, que exibe agora o filme Até à eternidade (1953), de Fred Zinnemann.

Num local conhecido outrora por Piolho do Loreto, Cine Camões ou Cinema Paraíso, encontrei agora na Rua do Loreto, muito perto do Largo do Camões, um pequeno cinema, tipo estúdio, onde só se vai para ver filmes, como eu gosto. A recuperação do local, da autoria do arquitecto José Neves, é excelente, o pessoal é bem simpático e as condições de visibilidade e conforto da pequena sala são muito boas. Valeu a pena recuperar este espaço, tanto quanto sei a primeira sala de cinema de Lisboa, com origem no distante ano de 1904. O Cinema Ideal é agora das poucas salas de cinema com exibição de filmes fora de um centro comercial, por isso é importante que este projecto seja apoiado. Depois de esta recuperação ter recebido uma menção honrosa do Prémio Vilalva, da Fundação Calouste Gulbenkian, é importante não deixar morrer esta ideia de voltarmos a ter “cinema de bairro” bem no coração da capital.

Até à eternidade vê-se com agrado. Nos bastidores da guerra mundial, somos transportados à intimidade de soldados americanos no Havai, com os seus amores e rivalidades. O filme vale sobretudo pela interpretação de conhecidos autores desse tempo: Burt Lancaster, Deborah Kerr, Donna Reed, Frank Sinatra e, sobretudo, Montgomery Clift, no papel de um angustiado soldado raso, alvo da crueldade dos chefes mas sempre fiel aos ideais do exército americano.

Fred Zinnemann nunca foi um realizador de génio. Autor de mais de trinta filmes, recordo apenas A man for all seasons (Um homem para a eternidade) (1966) e Julia (1977), que vi nas suas estreias em Portugal. No primeiro caso, o filme interessa pelo argumento, ao descrever a luta de Thomas More contra a prepotência de Henrique VIII, na bela interpretação de Paul Scofield que lhe valeu um Óscar.

Até à eternidade é publicitado pelo beijo de Burt Lancaster e Deborah Kerr, numa noite de luar, em que o casal se abraça junto ao mar. Não sei se é o mais famoso beijo de Hollywood, como se apregoa, mas a cena é das mais belas do filme. Kerr é a mulher do capitão e Lancaster é o sargento da companhia, por isso o beijo é a confirmação de um amor intenso e proibido, como o cinema gostava de retratar na altura. No entanto, a sensibilidade interpretativa de Montgomery Clift sobrepõe-se a tudo: a sua interpretação do soldado Prewitt recordou-me outros seus êxitos, sobretudo o papel de um padre angustiado no file Confesso, de Hitchcock, ou de um neurocirurgião famoso em Bruscamente no Verão Passado, de Joseph Mankiewicz.

Apareçam pelo Ideal!

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