Prozac: a pastilha da felicidade é verde

Há umas semanas, durante um passeio citadino, dei de caras com uma gravura feita num tronco de uma árvore. Dizia “prozac” em letras grandes e bem marcadas, como se de um manifesto se tratasse.

Antes de continuar há que dizer que o gesto de talhar mensagens nos troncos é absolutamente reprovável por poder causar grande dano às árvores. Dito isto, devo confessar sem recato que investigo com frequência o tipo de mensagens que muitos citadinos se dão ao trabalho de ali deixar. O tronco das árvores parece um mural que – tal e qual o do Facebook – é revelador da busca da longevidade, do reconhecimento, da esperança, do sentido. Os enamorados estampam o seu amor na árvore talvez para garantir que, pelo menos ali, a relação será duradoura. Outros imprimem frases de autoajuda, como o firme “ama a realidade que constróis” que se pode observar num dos majestosos plátanos da Serra do Pilar. Outros talham apenas um nome, possivelmente num intento de deixar uma marca no mundo. Mas este não pretende ser o foco deste texto. Vamos a ele.

O artífice da palavra “prozac” naquela árvore talvez não o soubesse mas a equivalência é indiscutível. Está amplamente demonstrado por vários estudos, em particular na área da medicina e psicologia, que a “pastilha da felicidade” é mesmo verde. O contacto com as árvores e as florestas promove a recuperação psicológica, melhora o estado de ânimo e a sensação de vigor e reduz o stress, a ansiedade, a depressão, a irritação e a fadiga psicológica. Adicionalmente, aumenta os níveis de atenção e de concentração, a criatividade, a capacidade de aprendizagem e a produtividade na escola e no trabalho.

Estar no meio de árvores, além de aumentar a avaliação subjetiva individual de bem-estar, reduz objetivamente os indicadores fisiológicos de stress, tais como a pressão arterial, o ritmo cardíaco, a tensão muscular. Em geral, a atividade do sistema nervoso simpático (que gere a resposta ao stress) reduz-se e a do sistema nervoso parassimpático (que gere a resposta à calma) eleva-se.

E para quem possa estar a pensar que estas respostas do organismo são despoletadas pela atividade física deve ser dito que o corpo reage do mesmo modo às árvores, independentemente de a pessoa estar a caminhar, refastelada numa cadeira no meio de uma floresta ou a observar imagens dentro de quatro paredes. Mas não se ativam se a pessoa caminhar num contexto de asfalto ou de ginásio.

Ainda não se conhece com exatidão todo o mecanismo mas sabe-se que o corpo reage à presença de árvores, florestas e de espaços verdes, reduzindo a concentração de cortisol – a hormona do stress. Pode ser desencadeado pela visão, pelo olfato (por inalação dos óleos essenciais das plantas) mas provavelmente outros sentidos estão envolvidos.

O stress é um grave problema de saúde pública comum nas sociedades industrializadas, que se sabe causar doenças mentais, cardiovasculares, gastroenterológicas, imunológicas e neurológicas. Cada país gere este problema à sua maneira. Por cá cresce astronomicamente o consumo de psicofármacos (+240% de antidepressores e +171% de antipsicóticos, entre 2000 e 2012, de acordo com dados do Infarmed). Ainda de acordo com a mesma fonte, o custo destes medicamentos para o Sistema Nacional de Saúde foi de 130 milhões de euros em 2012 (é o grupo de medicamentos orçamentalmente mais pesado para o Estado). E peritos na área da psiquiatria enfatizam que, mais do que para tratar as patologias, os “prozacs” e companhia são hoje maioritariamente prescritos para melhorar a nossa resistência ao stress.

No Japão, os médicos prescrevem aos pacientes com diagnósticos de stress e de exaustão psicológica a terapia shinrin-yoku, que consiste em caminhadas de imersão na floresta. Usam-no também em terapias preventivas.

Que as árvores sejam para nós um “prozac” natural está possivelmente associado à nossa evolução como espécie. Sempre dependemos das plantas para sobreviver e, pelo menos inconscientemente, pressentimo-lo. A calma que nos transmitem talvez seja eco dessa consciência ancestral. E o nosso corpo sabe bem do que precisa: a sensação de calma que experienciamos num espaço verde aumenta com a dimensão e biodiversidade que encontramos à volta, principalmente de plantas.

Investigadora da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. Coordenadora do Centro Regional de Excelência em Educação para o Desenvolvimento Sustentável da Área Metropolitana do Porto www.100milarvores.pt.  A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico
 

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