“Algo não está bem no râguebi e na federação”

Luís Rodrigues, presidente do Guimarães RUFC, afirma que o râguebi nacional precisa “de união” e sublinha que “qualquer pessoa que trabalhe numa organização tem que ser avaliada pelos resultados alcançados”

Foto
DR

Presidente do Guimarães RUFC há cerca de um ano, Luís Rodrigues lidera um dos clubes que mais tem crescido no râguebi nacional, mas o director de instalações da Tempo Livre, empresa municipal que gere o parque público desportivo de Guimarães, lamenta a falta de apoio aos clubes das divisões secundárias em Portugal. Com “uma visão de fora para dentro”, o dirigente diz que qualquer entidade “tem que ser avaliada pelos resultados alcançados” e considera que nas próximas eleições para a federação as decisões devem ser tomadas “em consciência e não pelo interesse particular de ‘A’, ‘B’ ou ‘C’”.

 

Têm surgido recentemente alguma contestação à actuação da direcção da federação. O Guimarães RUFC partilha dessas opiniões?

Foto
Foto

Não fui atleta de râguebi e tenho uma visão de fora para dentro, ao contrário da maior parte das pessoas com quem tenho convivido desde que sou presidente do Guimarães RUFC. Desde que cheguei ao râguebi a contestação à direcção da federação tem sido evidente e o que me parece, com a tal visão de fora para dentro, é que em qualquer organização essa contestação é negativa. Parece-me que algo deve ser feito para corrigir essa situação para o bem da modalidade, que tem valores como o espírito de grupo, entrega e dedicação, pelos quais vale a pena lutar. Estou no desporto pelo gosto e para cumprir uma função de cidadania, zelando pelo bem-estar da comunidade. Parece-me que existem histórias mal resolvidas - tenho conhecimento de algumas – e a direcção de uma federação tem como missão unir e não partir. Não existe um elo que consiga interligar todas as partes. Uma federação que trabalha para a elite, nunca se pode esquecer que existe uma base que tem ser alimentada. A base tem que ser sempre maior do que o topo. Enquanto presidente de um clube que existe há muito pouco tempo, sinto que essa ligação aos clubes mais pequenos não está a acontecer. 

 

Neste ano em que assumiu a presidente do Guimarães RUFC tem mantido contactos regulares com a federação?

Têm sido muito curtos e muito breves. Não posso afirmar que tenha sido desrespeitado, excluindo uma situação, que foi a final do campeonato da II Divisão. Pela segunda vez consecutiva atingimos a final, andamos a trabalhar o ano inteiro para alcançar um objectivo e depois deparamo-nos com um regulamento da federação que permitia um comportamento antiético. Essa atitude foi praticada por um clube adversário, mas a federação tem a responsabilidade clara de defender os interesses de todos os clubes, e não foi isso que aconteceu. Na primeira vez que fomos à final, perdemos, aceitamos a derrota e não houve qualquer problema. Nesta segunda vez, também aceitamos a derrota, mas o que colocamos em causa foram os princípios. Todas as acções que desenvolvemos a seguir, foram com o intuito de que nenhum outro clube tivesse que passar pela mesma situação.

 

Que análise faz do momento actual do râguebi português?

Parece é que algo não está bem no râguebi e na federação portuguesa. A prova disso é a aposta clara que foi feita nas equipas de elite, com resultados que não tiveram a devida correspondência. Qualquer federação tem que ter como objectivo a obtenção de resultados e qualquer pessoa que trabalhe numa organização tem que ser avaliada pelos resultados alcançados. Existem condicionantes que podem servir como atenuantes, mas uma direcção da federação tem que ser submetida a um escrutínio final de acordo com o trabalho e resultados obtidos. Pelas informações que tenho, esses resultados não foram os expectáveis. A prova disso é a contratação de novos treinadores, quando a direcção da federação está em final de mandato, o que não me parece uma atitude correcta.

 

Quem é, na sua opinião, o responsável pelos maus resultados desportivos das selecções nacionais?

Dando a tal visão de quem vem de fora, uma organização, seja ela uma federação, uma autarquia ou uma empresa privada, vale pelas suas pessoas. Uma organização não funciona nem bem, nem mal. As pessoas que estão à frente dessas organizações é que têm o poder de fazer com que elas funcionem ou não. Não conhecendo profundamente o que se passa, o que me parece é que existe um trabalho de campo feito por pessoas com experiência e esse trabalho deve ser aproveitado. Para mim, é incontestável que existe um nome ligado ao râguebi, mas também a toda a parte motivacional, que se chama Tomaz Morais. Não sei que funções tem neste momento ou quais terá no futuro, mas parece-me alguém muito válido. Quanto queremos fazer uma ruptura com o passado, devemos ter em consideração que nunca podemos começar nada de novo sem aproveitar o que havia de mais-valia no passado.

 

O rápido crescimento do Guimarães RUFC e sua implantação como clube na região é evidente. Que apoio têm tido por parte da FPR?

Enquanto presidente deste clube, não me interessa ter uma equipa na I Divisão sem ter as camadas jovens a trabalhar correctamente. Sempre disse que nunca colocaria em causa o nosso projecto pelo sonho de conseguir a promoção. O princípio básico é a sustentabilidade. Para ter uma equipa na I Divisão os custos vão aumentar e se não tiver capacidade para suprimir esses custos, não vou colocar em causa todo o trabalho que está para trás. Qual é o papel da federação nisto? Inicialmente houve grande proximidade, principalmente através da Associação de Rugby do Norte, mas acabou por ser um papel promiscuo. Trabalhamos a nível local e gostaríamos que houvesse maior proximidade e apoio. Nós não queremos dinheiro da federação, não precisamos disso. O que queríamos, era que houvesse uma maior ligação entre a federação e estes pequenos clubes que são realmente a base a partir da qual se deve construir o futuro do râguebi em Portugal.

 

Estando à frente de uma equipa fora de Lisboa, sente que esta federação tem promovido a descentralização?

Quanto a isso, dou-lhe um exemplo: numa das várias trocas de emails com o presidente da federação relacionada com a questão da final do campeonato, foi-me dito que para alterar o regulamento era necessário realizar uma assembleia geral e que era complicado para os clubes do Sul deslocarem-se ao Norte, depois de eu propor que essa assembleia se realizasse em Guimarães. Este é um bom exemplo do que se passa no râguebi português. Se é difícil aos clubes do Sul deslocarem-se ao Norte, também é difícil o contrário. Isto tem a ver com as pessoas. É aí que coloco o foco. Se vou para uma assembleia com ideias gerais para defender determinada situação ou interesse, algo está errado. É esta visão que as pessoas do râguebi ainda têm.

 

Que opinião tem de Francisco Martins, que já anunciou a sua candidatura à presidência da FPR?

Já tivemos uma reunião. Gostei da conversa, mas para mim as palavras não contam. O que me interessa são as atitudes. Estamos habituados a que quando existem necessidades tudo é muito bonito e fazem-se muitas promessas, que muitas vezes não se podem cumprir. Eu gosto de ver o trabalho, por isso não posso dar uma opinião concreta. Foi uma conversa agradável e transmiti as minhas ideias. O actual presidente da federação também já me contactou para conversarmos e o que transmito a um, é o que transmito ao outro: não tenho qualquer opinião formada de momento e estou aberto a ouvir as propostas. Depois irei votar em consciência de acordo, também, com a opinião dos meus colegas de direcção. Mas é preciso ouvir as propostas e perceber até que ponto é que elas são realistas. Como já disse antes, o que o râguebi precisa é de união e o que tem existido é o contrário.

 

Foi anunciado que surgirá uma terceira lista. Que perfil gostava que o líder dessa candidatura tivesse?

Terá que ser alguém que conheça bem o râguebi, mas não pode ter telhados de vidro e ligações directas a um clube. Terá que ter um perfil de competência e a capacidade de tomar decisões. Para isso, é preciso saber ouvir, falar com as pessoas e conhecer a realidade. É como numa autarquia, onde qualquer presidente pode decidir construir uma instalação desportiva, mas antes disso deve ouvir os munícipes para saber se é isso que eles querem ou não. As decisões têm de ser fundamentadas e isso é algo que neste momento não me parece existir no râguebi português. Tem que haver alguém que pense no râguebi a médio e longo prazo. Tem que haver um plano estratégico partilhado com os clubes e toda a gente deve ser ouvida. Deve-se discutir com as pessoas e depois tomar as decisões em consciência e não pelo interesse particular de “A”, “B” ou “C”. Terá, por isso, que ser alguém preparado para lidar com tudo isto. Provavelmente, muitos dos votos serão por afinidades. Como sou uma pessoa de fora, votarei em conformidade com as opções e planos apresentados.

Sugerir correcção
Comentar