A geografia da crise em mudança (1)

Há sete anos — quanto tempo! — mencionei nesta coluna o que dizia um economista chamado Tyler Cowen sobre a recém-nascida. As suas “hipóteses de trabalho” eram: ou a crise seria uma recessão de dois anos, ou uma depressão de dez. Ele chamava ao primeiro “o cenário otimista” e ao segundo “o cenário pessimista”. Eu chamei-lhes o cenário mau e o cenário muito mau.

Havia também um cenário péssimo nessa minha crónica. Nesse, a crise seria uma depressão prolongada que faria rebentar a bolha da China. Essa bolha tinha (e tem) duas dimensões. A primeira era económica: a China tem sido o garante da oferta de produtos baratos no comércio internacional, e também de procura de matérias-primas em muitas regiões do globo. Mas a  outra dimensão é política: “transferimos grande parte da capacidade produtiva mundial para um regime que parece estável mas que é sobretudo opaco”, escrevia eu então.

Nos anos seguintes fui olhando para as notícias naquela atitude ambivalente de quem espera estar enganado. E, aparentemente, estava. Os BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China — eram a história de sucesso da economia mundial. Só que hoje o cenário é menos risonho. Nos dois casos mais evidentes, a Rússia remete-se ao seu complexo nacional-autoritário e o Brasil parece ter perdido o rumo à sua expansão e à consolidação da sua democracia. A Índia é governada (em início de mandato) por um revisionista hindu — teremos de esperar para ver. Mas é a China, uma vez mais, que é em simultâneo o caso-de-estudo e a chave do futuro da crise: as últimas notícias são de instabilidade monetária e abrandamento económico, e as consequências das inexplicadas explosões no porto de Tianjin trazem-nos de volta à conclusão de há sete anos: o regime parece estável, mas é sobretudo opaco.

À depressão vivida no Atlântico Norte, sobretudo na União Europeia, pode acrescentar-se um arrefecimento nas partes do globo que até agora tinham vigoroso crescimento económico e atraíam investimento, gente e otimismo. Ainda antes de esses efeitos se sentirem no resto do globo, serão sentidos pelas populações locais, muito numerosas, com memória recente de uma trajetória de pobreza e dificuldades, e que não tolerarão bem, numa economia com pouco crescimento, a manutenção de privilégios nas classes políticas e nas oligarquias económicas.

A geografia da crise está a mudar. Com essa mudança, vamos assistir a duas, talvez três, discussões. Uma, mais política, tem a ver com a globalização e as suas consequências, incluindo um reforço das posições de quem quer “desglobalizar” ou regressar ao protecionismo. Outra, mais académica, será feita entre quem acha que esta é uma fase cíclica destinada a ser superada e quem defende que poderemos estar perante uma “estagnação secular” de caráter estrutural. A possível terceira discussão é geopolítica: será que este alargamento da crise a outras regiões do globo se traduzirá numa instabilidade do sistema internacional?

E a pergunta final: será possível a um país como Portugal ter uma leitura estratégica para este estado de coisas?

Procuraremos as respostas nas próximas crónicas.

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