Bob Johnston (1932-2015), o produtor de Dylan que gostava de relativizar o seu trabalho

De Blonde on Blonde, de Bob Dylan aos álbuns ao vivo de Johnny Cash nas prisões de Folsom e San Quentin, Bob Johnston produziu alguns dos discos mais lendários dos anos 60 e 70.

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Bob Johnston, à direita, com Dylan e Johnny Cash em 1969, ano em que o álbum Nashville Skyline foi lançado Country Music Hall of Fame and Museum

O produtor musical Bob Johnson, que trabalhou com alguns dos nomes mais importantes da música popular norte-americana, incluindo Bob Dylan, Johnny Cash, Leonard Cohen ou Paul Simon, morreu na sexta-feira, aos 83 anos, num hospital de Nashville, nos Estados Unidos, onde estava internado há já alguns dias.

Responsável pela produção de vários marcos essenciais da discografia da música popular, sobretudo na segunda metade da década de 60 e no início dos anos 70, como o duplo álbum Blonde on Blonde (1966), de Bob Dylan, Parsley, Sage, Rosemary and Thyme (1966), de Simon & Garfunkel, At Folsom Prison (1968), de Johnny Cash, ou Songs of Love and Hate (1971), de Leonard Cohen, Bob Johnston gostava de relativizar o seu trabalho, dizendo que se limitava a “pôr a fita a gravar”.

Leonard Cohen desmente-o: “Não era só questão de ligar as máquinas”, garante. “Ele criava uma atmosfera no estúdio que realmente nos convidava a dar o nosso melhor”. O músico canadiano trabalhou pela primeira vez com Johnston no seu segundo álbum, Songs from a Room (1969), e voltou a tê-lo como produtor no disco seguinte, o mítico Songs of Love and Hate (1971), que inclui temas como Avalanche ou Famous Blue Raincoat, e ainda no seu primeiro álbum ao vivo, Live Songs (1973).

Bob Johnston tinha “um fogo no olhar”, assegura Bob Dylan num dos seus volumes de memórias. “Tinha isso a que algumas pessoas chamam momentum, era uma coisa que se lhe via na cara, e ele partilhava esse fogo, esse espírito”, diz ainda o músico, cuja colaboração com Johnston, iniciada em 1965, constituiria a grande viragem na carreira do produtor, então responsável pela delegação de Nashville da editora discográfica Columbia Records. Dylan lamenta que Johnston tenha nascido "cem anos tarde de mais", já que o via bem “de capa larga, chapéu emplumado e a cavalgar com a sua espada ao alto”.

Mas Johnston não estava necessariamente a menorizar o seu trabalho quando explicava, como o fez muitas vezes, que nunca dizia aos artistas que canções deviam ou não incluir nos seus álbuns. “Como é que podia fazê-lo?”, pergunta numa entrevista de 2011, imaginando-se a dizer a Paul Simon: “Não gosto dessa canção, Paul, livra-te dela e vamos fazer outra, essa é demasiado lenta”. Mas na mesma entrevista não hesita em afirmar que, nesses tempos em que trabalhou com Dylan e Cash, era  “melhor do que qualquer outro” naquilo que fazia. O que Bob Johnston todavia nunca quis, ao contrário, por exemplo, de um Phil Spector, foi deixar uma marca pessoal, uma assinatura sonora nos discos que produzia.

Mudar de ramo
Nascido em 1932 em Hillsboro, no Texas, Bob Johnston, de seu verdadeiro nome Donald William Johnston, foi educado entre músicos: a sua avó, Mamie Jo Adams, compunha canções, tal como a sua mãe, Diane Johnston, que escreveu vários temas para o cantor country e actor Gene Autry.

Nos anos 50, Bob colabora com a mãe, escrevendo a meias algumas canções para o guitarrista rockabilly MacCurtis e outros músicos, e grava ele próprio alguns singles. Em 1960, usando o nome Bobby Johnston, lança Flat Tire. O relativo êxito que o disco obteve logrou-lhe um convite para aparecer, ao lado de Ricky Nelson e Tommy Sands, num espectáculo televisivo então na moda, o Teenage Dance Show. Ironicamente, foi este pequeno sucesso como intérprete que convenceu Johnston a abandonar precocemente a carreira artística e a investir os seus consideráveis talentos na produção de música alheia.

Ele próprio conta: “O Ricky tinha ar de ter acabado de gastar mais ou menos um milhão de dólares na roupa que vestia, o Tommy parecia ter gasto uns 500 mil, e eu tinha gasto uns oito dólares”. Ouvir os fãs a gritar ininterruptamente "Ricky!, Ricky!" foi a gota de água que acabou de o convencer de que seria sensato mudar de ramo, tornando-se produtor, ainda que continuasse durante alguns anos a compor, por vezes em colaboração com a mulher, Joy Byers, que escreveu várias canções para Elvis Presley.

Após ter passado por editoras de menor dimensão, entrou na Columbia Records, pela mão daquele que irá sempre venerar como o seu grande mentor, John Hammond. Já tinha produzido o álbum Hush, Hush Sweet Charlotte, de Patti Page, quando, em meados de 1965, se cruza com Bob Dylan, que está então a preparar o álbum Highway Revisited com outro produtor.

É então que as circunstâncias se conjugam de um modo que nem Dylan nem Johnston saberão depois descrever com exactidão: “Só sei que um dia estava a gravar com o Tom, e não tinha razões para achar que ele se ia embora, e no dia seguinte olhei e estava lá o Bob”, contará mais tarde Bob Dylan.

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Blonde On Blonde

O certo é que Tom Wilson sai de cena e todos os restantes temas de Highway Revisited serão já produzidos por Bob Johnston. Mas é talvez no ano seguinte, com Blonde on Blonde, um dos primeiros duplos-álbuns da história do rock, que a colaboração entre o músico e o produtor alcança mais notáveis resultados.

Johnston convenceu Dylan a sair de Nova Iorque e a gravar em Nashville, usando músicos locais, a par de alguns dos seus colaboradores de discos anteriores, como o organista Al Kooper ou o guitarrista Robbie Robertson. Uma aposta nada óbvia numa altura em que Dylan ainda estava a habituar-se a tocar com bandas e instrumentos eléctricos, mas as sessões de gravação parecem ter sido tocadas pela graça e o resultado é um disco cronicamente citado nas listas de melhores álbuns de sempre.

O profeta Dylan
Blonde on Blonde é também um bom exemplo da confiança de Johnston no instinto dos músicos. Que outro produtor não torceria o nariz, em 1966, a canções como Visions of Johanna, com os seus sete minutos e meio, ou ainda mais a Sad Eyed Lady of the Lowlands, que ocupa sozinha o quarto lado do disco, com os seus 11m23s?

Ao todo, Bob Johnston produzirá seis discos de Dylan – até Self Portrait e New Morning, de 1970 –, que concidem com um dos períodos mais criativos do compositor e cantor.

No mesmo ano em que está a trabalhar em Blonde on Blonde, Johnston produz Sounds of Silence e Parsley, Sage, Rosemary and Thyme para os Simon & Garfunkel. De Paul Simon, dirá que era o único que nem sempre lhe dava liberdade de manobra total: “Nenhum deles [Dylan, Cash, etc.] interferiu alguma vez com o meu som, salvo Paul Simon, que o fazia um bocadinho”.

Ainda nos anos 60, inicia uma longa colaboração com o cantor de westerns Marty Robbins, e permite a Johnny Cash realizar o seu velho sonho de gravar numa prisão, produzindo os seus dois primeiros álbuns ao vivo, At Folsom Prison (1968) e At San Quentin (1969), entre vários outros discos cruciais na obra do cantor, como Hello, I'm Johnny Cash, de 1970.

É ainda Johnston que, em 1969, produz Dr. Byrds & Mr. Hyde, dos já declinantes The Byrds, e no mesmo ano cruza-se com Leonard Cohen, outro músico que lhe fica a dever a produção de alguns dos seus discos mais significativos.

Johnston continuará a ser um produtor altamente influente nos anos 70, quer prosseguindo as colaborações que vinham da década anterior, quer trabalhando com músicos como Pete Seeger, Hoyt Axton, Jimmy Cliff, ou John Mayall, para citar apenas alguns. Alguns dos seus últimos trabalhos como produtor são The IRS Tapes: Who'll Buy My Memories? (1992), de Willie Nelson, ou Go Cat Go! (1996), de Carl Perkins.

Mas o seu músico de eleição seria sempre Bob Dylan. Numa entrevista dada a Richard Younger em 2005, Johnston explica que antes de trabalhar com ele já o admirava como músico e pelas suas intervenções políticas, e conclui: “Continuo a achar que é o nosso único profeta desde Jesus Cristo”.

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