Angola - Nova lei procura seduzir investidores estrangeiros

É a sexta lei que, desde a independência, em 1975, o poder angolano aprova com o objectivo de atrair investimento externo para o país. A primeira, da autoria do Conselho de Revolução, data de 22 de Junho de 1979. A mais recente acaba de ser publicada no Diário da República. Trata-se da Lei 14/15, de 11 de Agosto (Lei do Investimento Privado) e que entrou em vigor nessa mesma data.

Discutida em Maio último em Conselho de Ministros, a proposta de lei foi apresentada no Parlamento com carácter de urgência (o que terá desagradado à oposição) e aprovada a 22 de Julho.

Em 2014 Angola foi o segundo maior destinatário de investimento directo estrangeiro (IDE) em África, logo a seguir ao Egipto. Segundo a empresa fDi Intelligence, do grupo Financial Times, o país terá recebido mais de 16 mil milhões de dólares dos EUA, dos cerca de 87 mil milhões investidos no continente. Porque se afadiga então o Governo angolano?

É que menos de um quarto desse investimento externo foi aplicado nos sectores não extractivos da economia angolana. Deixando de fora as actividades de exploração petrolífera e mineira – elas próprias sujeitas a regimes jurídicos de investimentos especiais – os investidores privados (estrangeiros e nacionais) aplicaram menos de 4 mil milhões de dólares em Angola, em 2014. Segundo dados da Agência Nacional do Investimento Privado (ANIP), cerca de 50% desse investimento foi de origem nacional. Assim, o investimento estrangeiro no sector não extractivo ter-se-á ficado, em 2014, por cerca de dois mil milhões de dólares.

É um número modesto e, ainda assim, insustentável já em 2015. Angola sofre como poucos as consequências da queda do preço do petróleo e, em particular, a concorrência dos produtores americanos do chamado petróleo de xisto. Já se constatava uma quebra, embora comparativamente menor, do investimento nas operações de pesquisa e produção de petróleo e gás. A maior redução verifica-se, porém, nas actividades das empresas prestadoras de serviços e vendedoras de equipamento à indústria petrolífera, sujeitas, por regra, ao regime geral da Lei do Investimento Privado.

O melhor e o pior da lei
Ante esta significativa ameaça, o governo atacou o problema com invulgar eficácia: em menos de três meses elaborou, aprovou e publicou um novo diploma sobre a matéria. A lei contém disposições que são manifestamente favoráveis aos investidores e que vão melhorar as condições de aprovação e execução dos investimentos. Merece particular destaque o facto de os investimentos externos de qualquer montante (até aqui, na prática, exigia-se o mínimo de 1 milhão de dólares dos EUA) serem abrangidos pela nova lei e, nessa medida, os seus titulares beneficiarem do direito de repatriar os respectivos lucros, dividendos e outras mais-valias. De igual garantia gozam os investimentos privados internos de montante equivalente a 500.000 dólares dos EUA.

Outro aspecto da maior relevância é a objectivação dos critérios e valores dos benefícios e incentivos fiscais e aduaneiros a que podem candidatar-se os investidores privados “qualificados”, isto é, aqueles que invistam o mínimo de 1 milhão ou 500.000 dólares, consoante se trate de investimento externo ou interno, respectivamente.

Por último, registe-se a há muito aguardada clarificação do que é uma empresa angolana (sede em Angola e 51% do capital na propriedade de cidadãos angolanos) como assim a clara definição dos sectores de actividade em que o investimento estrangeiro só é permitido quando feito em parceria com investidores angolanos, os quais deverão deter, pelo menos, 35% do capital social e “participação efectiva na gestão, reflectida no acordo de accionistas”. Tal é o caso dos sectores da construção civil, hotelaria e turismo, telecomunicações, comunicação social, transportes e, finalmente, electricidade e água.

A lei também traz novidades menos agradáveis e alguma indefinição. No topo das surpresas desagradáveis está a previsão de uma taxa suplementar de imposto sobre a aplicação de capitais, a qual aparentemente recairá sobre o montante em que os lucros ou dividendos ultrapassarem a participação do investidor nos “fundos próprios”.

Esta taxa suplementar é progressiva e pode atingir 50% do valor “ultrapassado”. Por outro lado, o novo diploma omite qualquer referência à ANIP, criada em 2003, e que certamente continuará a ter existência legal, porventura desempenhando um papel de promoção muito semelhante ao que em Portugal é exercido pela AICEP.

Contudo, deixando a ANIP de ser o interlocutor dos investidores privados (o que parece provável), quem o será? A lei refere-se às “autoridades competentes do executivo” e ao “órgão da administração directa e indirecta”, o que parece inculcar a ideia de que designadamente a negociação do contrato de investimento ficará a cargo do ministério que tutelar o sector em que vai ocorrer o investimento.

De igual forma, o registo dos processos de investimento não candidatos a incentivos fiscais carece de regulamentação. O mesmo sucede com a definição da entidade que irá instruir e analisar os processos de investimento pendentes, aos quais se aplica desde já a nova lei.

E Portugal?
Portugal ocupa hoje um lugar modesto entre os principais investidores externos em Angola, particularmente se levarmos em conta os investimentos no sector petrolífero. Ainda assim, a aprovação desta lei reveste-se de grande importância para os pequenos e médios empresários portugueses, os verdadeiros e quase sempre esquecidos “mouros de trabalho” quando se fala de aumento das exportações portuguesas. A possibilidade que agora se lhes abre de realizarem investimentos de valor inferior a 1 milhão de dólares, mas beneficiando do direito de repatriação de lucros, é uma garantia que só os pode encorajar.

No extremo oposto está a dificuldade em ver reforçadas as garantias jurídicas dos investidores, sejam eles pequenos ou grandes, portugueses ou não. Desde a sua independência, Angola assinou com uma dezena de países outros tantos acordos de protecção recíproca de investimentos (BITs). Um desses acordos foi assinado com Portugal, em 15 de Setembro de 2008, em Luanda. Como lhe competia, Portugal aprovou o BIT (Decreto nº 40/2008, de 10 de Outubro), o mesmo tendo feito Angola a 22 de Abril de 2009.

Aparentemente, porém, Luanda não procedeu ao seu registo junto do Secretariado das Nações Unidas (consoante prevê o BIT) e, verdadeiramente, não se sabe sequer se o acordo chegou a entrar em vigor. Ora aí está uma pertinente e urgente tarefa para ocupar o “Observatório dos investimentos portugueses em Angola e angolanos em Portugal”, criado, a 23 de Junho último, em Luanda e anunciado ao mundo pelo nosso dinâmico ministro da Economia, Pires de Lima. Tendo sido concebido para “identificar obstáculos e seleccionar vias para ultrapassar constrangimentos”, o observatório tem aqui uma missão à altura das suas expectativas. Advogado. Docente convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola

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