“Esta direcção da FPR não tem rumo, nem projecto”

Pedro Lucas, presidente do CR Técnico, afirma que os actuais dirigentes da federação estão-se “borrifando para o desenvolvimento do râguebi a nível regional”

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Filipe Monte

Presidente do CR Técnico há cerca de dois anos, Pedro Lucas mostra-se muito desiludido com o rumo actual do râguebi português. Em entrevista ao P3 Râguebi, o líder dos “engenheiros” diz que a Federação Portuguesa de Rugby (FPR) não existe a nível de marketing e comunicação, acusa os dirigentes federativos de não apoiarem os clubes fora de Lisboa e diz esperar que surja “uma lista que reúna consenso, que saiba promover o râguebi nacional e que devolva o râguebi aos clubes”.

 

Que análise faz do actual momento conturbado que se vive no râguebi português?

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É um momento conturbado nas decisões federativas e isso repercute-se no râguebi nacional. Em termos de jogadores e equipas, o râguebi continua com bom nível.

 

Que erros aponta ao actual elenco federativo?

A direcção da federação actual tem sido um grande travão ao desenvolvimento do râguebi. Não soube aproveitar o “boom” que se seguiu a 2007, nunca soube divulgar o râguebi como um desporto diferente: É um modo de vida. O râguebi pode ser encarado a sério a nível amador. Podemos ter bons jogadores e um bom nível de selecções, continuando a ser um desporto amador. Um dos grandes erros que esta direcção da federação cometeu foi defender uma via profissional ou semi-profissional. Não há condições para isso. Eles deveriam ter desenvolvido o râguebi a nível escolar e nos clubes em todo o país para haver mais equipas competitivas. O que aconteceu é que esta direcção da FPR não tem rumo, nem projecto. Não sabe o que quer. Tem andado à deriva, sem ideias. A única coisa que se viu foi o Centro de Alto Rendimento, no Jamor, que é algo inconcebível e condenado ao fracasso. Os atletas que inicialmente foram considerados os eleitos, passado pouco tempo, por motivos profissionais ou escolares, desistiram. Então foram buscar atletas a todos os sítios do país, onde seriam bastante úteis nas equipas locais para desenvolver o râguebi nas suas regiões. Tentam fazer um clube-selecção, invertendo a pirâmide. A selecção devia ser o topo da pirâmide dos clubes, como acontece na maior parte dos desportos.

 

O que é preciso ser feito?

Precisamos de captar mais gente, conseguir ter núcleos fortes onde o râguebi já se desenvolveu . Vejo a equipa do RC Montemor a ganhar campeonatos de sub-16 e sub-18, o que é extremamente importante e nunca aconteceu, vejo equipas jovens no Porto com muita qualidade, e depois quando chegam aos seniores não têm nível.

 

Por que motivo?

A federação não lhes dá apoio localmente e quer trazer os melhores jogadores para Lisboa, que é onde acham que deve estar a nata, colocando-os a jogar no campeonato no clube que está mais próximo ou lhes dá mais jeito. Eles estão-se borrifando para o desenvolvimento do campeonato e do râguebi a nível regional.

 

Ricardo Nunes, vice-presidente da FPR, afirmou em entrevista ao P3 Râguebi que “nunca houve uma direcção da federação que tenha promovido tanto a descentralização do râguebi em Portugal”…

Dizer isso é não ter a noção do que se passa. Li essa entrevista e não percebi. Sendo vice-presidente da federação, ou está completamente ao lado do que se passa ou fala de coisas que pura e simplesmente não aconteceram. Nessa entrevista é também dito que uma das grandes proezas desta federação foi organizar competições em Portugal. Nós sempre organizamos grandes eventos em Portugal. Organizamos campeonatos e torneios há muito tempo. Não foi preciso vir esta direcção da federação para mudar isto. Referir isso é não ter mais nada para dizer. E quanto à boa organização que dizem fazer, na qualificação para os Jogos Olímpicos estavam meia dúzia de pessoas a ver…

 

A responsabilidade é da federação?

Há mais gente a ver os jogos do Técnico do que os eventos organizados pela federação. A promoção da marca râguebi é muito mal feita. As pessoas nem sabem o que está a acontecer. O râguebi só aparece na comunicação social quando há uma crise. A divulgação é feita pelo próprio desporto. Ninguém na federação faz nada por isso. O marketing e a comunicação não existem. O râguebi é uma modalidade que tem capacidade para se desenvolver, desde que seja convenientemente divulgada e promovida, o que a federação não tem feito.

 

A mudança nos comandos técnicos das selecções trará de novo os bons resultados?

Acho mal estarem a mudar uma equipa técnica a dois meses, ou nem isso, de haver eleições. Estão a criar problemas a uma futura direcção que pode não ser a deles. Nesta fase não o deveriam ter feito. Há tantos treinadores remunerados e desocupados na federação, não podiam provisoriamente resolver o problema? O râguebi português desceu tantos degraus nestes anos que o problema não será por dois meses.

 

O que pensa da contratação de Oliver Baragnon para seleccionador nacional de XV?

O argumento utilizado para irem buscar um treinador francês serviria para quase tudo. Não estou a ver que, por termos um treinador francês, se consigam melhores resultados com os clubes franceses e se consiga trazer mais luso-descendentes de qualidade. É uma posição ridícula. Não é por aí. O Bardy, que é o melhor, está cá sempre. O problema é uma questão de dinheiro e negociação. Quanto ao treinador, parece ser um teórico, ligado à Universidade. Parece-me que Portugal precisava antes de um trabalho psicológico e treinadores com outra mentalidade. Mas, como não o conheço, não me quero pronunciar muito. O timing, no entanto, foi inoportuno.

 

Considera que o actual presidente tem condições para se recandidatar?

Este presidente refuta todas as críticas que lhe fazem e tenta sempre dar a volta. Respeito a resistência dele, mas o que deveria ter feito era ter pedido a demissão face ao incumprimento da maioria das medidas que prometeu. Sinceramente, já não me espanta que se recandidate. Os dirigentes do râguebi português é que têm de fazer uma retrospectiva do que aconteceu e avaliarem se tiveram alguma vantagem com esta direcção federativa. O que me parece é que todos os clubes andaram para trás. Tem havido um esforço grande dos clubes para andarem para a frente e da federação não houve nada. A federação devia apoiar os clubes que mais se deslocam, tem que perceber onde é preciso investir na formação e, se preciso, subsidiar treinadores para se deslocarem a zonas onde haja lacunas. Mas eles não querem saber. Não apoiam regionalmente o râguebi…

 

A federação diz o contrário e até afirma que nos últimos anos ajudaram a construir seis campos de râguebi…

Mas que campos? Falaram de campos que nem existem, como o do Belenenses. Acho que o São Miguel também ainda não tem… Nós andamos há anos atrás da Câmara Municipal de Lisboa para construir um campo e a federação nunca mexeu uma palha por isso. Eles deviam-se preocupar com os problemas de cada clube e canalizar as verbas que andam a gastar com ordenados exorbitantes em gente que não é necessária. Esta federação tem uma direcção que é uma pessoa rodeada de assessores. Nunca vi uma ideia ou intenção dos actuais vice-presidentes. Os que pensavam pela cabeça deles demitiram-se e já saíram. Não tenho conhecimento que tenha sido apresentada uma nova lista, com novas pessoas para trabalhar. A lei no desporto foi mudada e a federação será um órgão colegial, pelo que convém que exista alguém que pense o râguebi.

 

Na entrevista ao P3 Râguebi, Ricardo Nunes afirmou que a base de apoio à actual direcção é grande…

Não deve falar com as mesmas pessoas que eu falo, nem ouvir o que eu ouço. Eu falo com os presidentes de todas as equipas. Percebo, por exemplo, que o Direito apoie este presidente por interesses próprios, mas quando falo de râguebi com os seus dirigentes, as ideias são similares às minhas e falam amargamente dos mesmos problemas.

 

Que problemas são esses e o que é preciso fazer para os resolver?

O desenvolvimento tem que ser feito nos clubes, nas regiões e núcleos, como Coimbra, Lousã, Arcos de Valdevez, Guimarães, Alentejo ou Loulé. O râguebi tem que se desenvolver nessas zonas. Deve-se também tentar implementar o gosto pelo râguebi em zonas mais desfavorecidas, complementando isso com o sucesso escolar. O projecto da Escolinha de Rugby da Galiza é um bom exemplo. Para isso, terá que aparecer uma lista que reúna consenso, que saiba promover o râguebi nacional e que devolva o râguebi aos clubes.

 

Que perfil espera que tenham as pessoas dessa lista?

As pessoas que forem para a federação devem ser do râguebi e terem a visão que falei antes. Até este momento ainda não apareceu nenhuma lista que eu considere credível, porque uma lista tem de ter um programa e pessoas, mas estou convicto que irá surgir uma. Espero que depois tenha o apoio dos clubes. 

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