Cinco anos para acusar dois médicos de homicídio por negligência

Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro alega que caso é de "especial complexidade".

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Morte de mulher de 79 anos no Hospital de Chaves está a ser investigada. Rui Gaudêncio

Cinco anos depois da morte de um rapaz de 13 anos no hospital de Chaves, o Ministério Público acusou os dois médicos, que então assistiram e trataram o menor, do crime de homicídio por negligência. Alegando a "especial complexidade do processo", o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD) a que pertence a unidade de Chaves (que na altura anunciou ter aberto um inquérito interno para perceber se teria havido negligência médica) adiantou agora à Lusa que remeteu o caso para a Administração Regional de Saúde do Norte. Um dos médicos ainda trabalha no hospital.

Foi o Ministério Público (MP) de Chaves  que acusou os dois médicos, um pediatra e um cirurgião, de homicídio negligente, pela morte de David, assim se chamava o menor. Segundo a Procuradoria Distrital do Porto, foi em 20 de Agosto de 2010 que David, então com 13 anos, recorreu aos serviços de urgência do hospital de Chaves, levado pelos pais. Queixava-se de “fortes dores de barriga generalizadas e de vómitos frequentes”.

O hospital de Chaves anunciou então que tinha aberto um inquérito interno para apurar se houve ou não negligência médica, depois de a família de David se ter queixado que os médicos haviam desvalorizado os sintomas do doente e chegado a um diagnóstico demasiado tarde. Na reclamação  apresentada, os pais do menor notavam que os médicos apenas teriam diagnosticado a doença no terceiro dia do internamento. David tinha, diziam, uma peritonite generalizada.

Quando entrou no hospital, David queixava-se de fortes dores de barriga e o pediatra que o viu decidiu interná-lo, para ficar em observações e mandou que fosse tratado com soro, ainda segundo a versão apresentada pelos familiares do rapaz. Os pais queixaram-se  que o médico apenas mandou fazer análises ao sangue do doente, apesar de o estado de saúde de David se estar a agravar. Dois dias depois, o pediatra decidiu pedir a opinião de um cirurgião que também terá desvalorizado os sintomas, defendendo que as dores eram provocadas por gases e mandando dar-lhe chá, relataram os familiares.

Ao terceiro dia de internamento, David estava cada vez pior. O pai descrevia na altura ao Jornal de Notícias que ele tinha “o corpo com manchas roxas, os lábios azuis, a barriga dura”. Indignado com a situação, exigiu que fosse visto por outro médico, o que acabou por acontecer. Um novo cirurgião pediu a realização de uma TAC (tomografia axial computorizada), um exame mais sofisticado. Quando viu os resultados, disse que ele teria que ser transferido de imediato para o Porto, porque Chaves não tinha cuidados intensivos. David acabou por morrer na ambulância, no percurso até ao Porto.

Agora, o Ministério Público adianta que David morreu devido a “lesões de perfuração do duodeno, derivadas de úlcera duodenal” e conclui que o pediatra e o primeiro cirurgião que observaram o rapaz “nem valorizaram convenientemente os sintomas que a vítima apresentava e que só por si eram susceptíveis de conduzir à identificação do mal que a afligia, nem aprofundaram os estudos, nomeadamente analíticos e imagiológicos, com vista ao diagnóstico”. 

Por estes factos, os dois médicos foram acusados pela prática de um crime de homicídio negligente cada. Uma fonte do CHTMAD adiantou entretanto à Lusa que "um dos médicos ainda se encontra em funções, enquanto o outro já não tem qualquer vínculo laboral com o centro hospitalar" e explicou que o conselho de administração deliberou, "dada a especial complexidade do caso, solicitar à Administração Regional de Saúde do Norte a condução do processo".

No crime de homicídio por negligência (artigo 137.º do Código Penal), a pena pode ser de prisão até três anos ou multa, à excepção dos casos em que se verifique a existência de negligência grosseira, em que a pena de prisão é de cinco anos.

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