“Há muitos egos no râguebi nacional”

Treinador dos sub-18 do CDUP, Luís Bessa lamenta que muitos clubes continuem apenas a tentar defender a sua "quintinha", sem se preocuparem com a evolução do râguebi português

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Luís Bessa foi jogador, treinador e dirigente em clubes tão distintos como Medicina do Porto, CDUP ou CRAV e começou a jogar por influência do seu irmão, João Paulo Bessa. Treinador dos sub-18 do CDUP, considera que as actuais gerações têm qualidade, mas sublinha que a “falta de visibilidade” e os “egos” que prevalecem no râguebi português impedem a sua evolução.

 

Qual o jogo que mais o marcou como jogador e treinador? Chegou a jogar com o seu irmão, João Paulo Bessa?

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Como jogador, tenho recordações dos mais variados jogos, mas sem dúvida que os jogos realizados pelo CDUP em Narbonne e Milão naquela que foi a minha primeira digressão no meu primeiro ano de sénior. Ainda com o prazer acrescido de jogar com meu irmão pela primeira vez - jogava ele no CDUL, mas foi convidado pelos responsáveis do CDUP -, tiveram um impacto muito especial na minha vida desportiva. Foi num ambiente de equipa e de boa disposição, com excepção da lesão séria do Chico Marramaque, que realizamos os dois jogos, tendo perdido em França e ganho em Itália. Só voltaria a jogar com o meu irmão, vários anos mais tarde, num amigável nos Arcos de Valdevez, na véspera de um jogo internacional, creio que Portugal-Alemanha, em que um grupo de veteranos de diversos clubes jogaram contra o CRAV. O Zé Luís Vareta, que era na altura jogador/treinador do CRAV, impediu-me de marcar um ensaio, também se deve lembrar bem… Como treinador, as recordações são muitas, mas há uma que soube particularmente bem: a vitória da selecção Norte/Centro sobre a selecção Lisboa/Sul, na época em que fui treinador juntamente com o excelente Sérgio Franco, da Académica. E soube especialmente bem, porque tanto quanto eu sei, foi a primeira vitória de uma selecção do Norte/Centro sobre uma selecção de Lisboa/Sul.

 

Como surgiu essa digressão a França e Itália?

A digressão a França e Itália, em 1971, foi totalmente suportada pelo CDUP, na altura dirigido pelo professor Jaime Rios de Sousa, num gesto de apreço pelo comportamento desportivo da equipa. Foi caso único. Posteriormente realizou-se uma ou outra digressão a Bath, mas suportadas por quotizações dos próprios atletas.  

 

Jogou na equipa de Medicina do Porto? Chegou a ser um clube federado?

A equipa de Medicina do Porto foi criada e suportada pela Associação de Estudantes de Medicina do Porto e foi federada. Iniciou a sua participação na segunda divisão e foi criando escalões jovens. Na época de 1987-88 sagrou-se campeã nacional dessa divisão. Surgiram por essa altura dificuldades de apoio financeiro e como o CDUP estava com sérias dificuldades em termos de captação de atletas - já só tinha em actividade o escalão sénior e, mesmo esse, com dificuldades -, decidiu-se transferir toda a estrutura de Medicina Rugby, para o CDUP.

 

Qual foi a posição onde jogou mais? Que características definem um bom jogador nessa posição?

Como era pequeno e rapidinho, tinha 15 anos, fui direccionado para talonador. Eram outros tempos. Nas formações ordenadas ainda se ganhava a cabeça e roubavam-se muitas bolas ao adversário. Ainda fui convocado para os trabalhos da selecção nacional de juniores nessa posição. Mais tarde, e porque o meu físico decidiu desenvolver-se sem características de avançado, fui encaminhado para médio de abertura, de onde saí, em fim de carreira, para ocupar algumas outras posições. Nesse tempo o 10 era, como é, um leitor de jogo, com capacidade de decisão e com uma execução de pontapé razoável. Não era muito importante ter uma grande capacidade de contacto - as linhas de três-quartos jogavam longe, porque no ataque formava-se com muita profundidade. Hoje em dia é diferente. Para além de ter que ser um excelente leitor de jogo, tem também que ser um líder, em perfeita harmonia com o capitão de equipa, caso não acumule essa função, ter dois excelentes pés e saber atacar a defesa adversária, jogando na cara e tomando decisões no limite.

 

Como avalia a situação actual da selecção de XV e os resultados menos conseguidos? O que acha que teria de acontecer para recuperar o espírito de 2007?

O ano de 2007 resultou da conjugação dos esforços de muitos ao longo de diversos anos, com humildade e espírito colectivo. Creio que, actualmente, há muitos egos no râguebi nacional. Andam muitos a defender a sua quintinha, sem se preocuparem minimamente com a evolução do râguebi. Obviamente que é necessário cuidar da nossa quintinha mas, simultaneamente, é preciso ter uma mente aberta e olhar mais longe, sem bairrismos doentios, sem provincianismos ou complexos de superioridade. Se vamos formando os nossos atletas com a ideia de pôr o interesse colectivo acima dos interesses individuais, de sermos um todo superior ao somatório das partes, então temos, treinadores e dirigentes, de dar o exemplo e fazermos o mesmo. É a única forma de crescermos.

 

Como avalia as novas gerações e o que elas podem dar ao râguebi nacional?

As novas gerações são excelentes. Têm acesso a mais e melhor informação do que as gerações mais antigas. Têm também, de uma maneira geral, maior capacidade interventiva. A minha experiencia da época que agora termina, nos sub-18 - foi a 1ª vez que treinei este escalão - foi muito enriquecedora e deu-me a certeza que o futuro já aí está, com garantia de qualidade.

 

Qual a mensagem que tenta passar aos seus jogadores?

A mensagem que eu e o Pedro Meireles, que é treinador comigo, e o Aníbal Rosa, preparador físico, tentamos passar é da necessidade de nos superarmos a nós próprios, em benefício do colectivo. Passamos também a ideia de que estamos ali para os ajudar a chegar a seniores com as armas necessárias para competirem no escalão mais alto do clube. Sendo, e achamos que é, muito importante vencer, essa é uma consequência e não um fim em si.

 

Quais os maiores problemas e constrangimentos que observa em termos dos clubes, jogadores, e direcções que não permitem Portugal descolar?

O maior problema dos clubes e jogadores é a falta de visibilidade, que faz com que haja poucos patrocinadores, por falta de retorno. As dificuldades financeiras geram todo o tipo de constrangimentos, sobretudo para as equipas que tenham que se deslocar milhares de quilómetros por época, como é o caso do CDUP. Precisamos de humildade e de aprender uns com os outros.

 

Qual a sua opinião relativamente a um possível ressurgimento de selecções regionais? Acha que seria útil?

Acho excelente o ressurgimento das selecções regionais. Mas só vale a pena, se houver tempo para se fazer um trabalho a sério. Se for só para dizer que há, fazendo um ou dois treinos e um ou dois jogos, não justifica o esforço suplementar de mais deslocações por parte dos atletas envolvidos.

 

Relativamente ao Mundial, quem é o principal candidato?

Creio que é a Nova Zelandia. De qualquer modo espero, acima de tudo, assistir a excelentes jogos e aprender com eles.

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