Os gregos não podem partilhar com os refugiados o que não têm

Em cima de uma crise económica e social, a Grécia enfrenta outra: o enorme aumento do número de pessoas que chegam às ilhas ilegalmente, em barcos vindos da Turquia. A Grécia ultrapassou já a Itália recebendo mais de 109 mil refugiados desde o início do ano.

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Imigrantes esperam para se registarem à chegada à ilha grega de Kos ANGELOS TZORTZINIS/AFP

O mar está calmo, a água em gradação transparente-turquesa-azul, a temperatura está óptima. Quando o sol se põe e os turistas começam a encher as esplanadas para beber um copo ao final da tarde ou jantar, há quem se prepare para o dia seguinte em que chegarão mais barcos com migrantes. Às cinco da manhã, Eric Kempson, um britânico a viver na ilha de Lesbos há 15 anos, vai buscar os binóculos e olhar para o mar, à espera dos pequenos barcos de borracha insufláveis cheios de migrantes, a maioria sírios a fugir da guerra, muitas mulheres, muitas crianças. Os refugiados só querem chegar a solo europeu, a crise da Grécia é algo irrelevante.

Em várias ilhas gregas, em que a economia débil está completamente dependente do turismo, o mar é uma bênção. Mas o mesmo Mediterrâneo que atrai os turistas é aquele que traz barcos após barcos com refugiados. E embora a hospitalidade seja um valor cravado na identidade dos gregos, muitos tem que o turismo, a única actividade que vai escapando à crise, sofra com a chegada de números nunca vistos de pessoas a fugir de guerras e perseguições.

Muitos dos mais de 109 mil imigrantes que chegaram ilegalmente por barco à Grécia este ano ,chegaram a Lesbos, a terceira maior ilha grega, com 90 mil habitantes. Em Junho, chegaram a Lesbos 15.254 refugiados. No mesmo mês do ano anterior, tinham chegado 921.

“Isto é uma novidade para nós”, diz Komminos Kalpakis, que trabalha num restaurante de peixe em Molyvos, num dos principais pontos turísticos da ilha. “Sempre tivemos migrantes, mas nunca tantos. Nunca imaginei que salvássemos milhares do mar.”

Os voluntários a receber os refugiados à chegada, a dar-lhes água e preparar sandes, contam-se pelos dedos das mãos. A câmara de uma das cidades de Lesbos fez um parque de campismo para os refugiados. Em dois dias, encheu até ao limite da sua capacidade. “Precisamos de agências internacionais”, diz Eric Kempson. “Não sabemos o que estamos a fazer. No outro dia chegaram 500 pessoas, é de loucos.”

Turistas não querem ver
Um artigo no tablóide britânico Daily Mail sobre outra das ilhas perto da Turquia, Kos, provocou uma chuva de críticas – e levou, dizem empresários locais, a vários cancelamentos de reservas. “Imigrantes transformam Kos num inferno”, dizia o jornal. A enfermeira Anne Servante, de Manchester, queixava-se: “Vimos aqui passar férias há quase dez anos. Mas desta vez está diferente. Está sujo e confuso”, disse ao Daily Mail. “E é esquisito. Não vou comer num restaurante com pessoas a olhar para mim.” 

Dick, de 60 anos, dono de uma loja numa praça, diz que os refugiados sujam o local à volta da loja e que os autocarros com turistas já não param lá. “Os turistas querem relaxar e não ver problemas destes”. O volume de negócio baixou 70%, queixa-se.

Responsáveis gregos dizem que na maioria dos casos os refugiados concentram-se em alguns locais que os turistas nem sempre visitarão. E mesmo que encontrem os imigrantes, deverão receber simplesmente simpatia. Os refugiados “nunca chatearam ninguém”, disse Dimitris Tekes, que tem um hotel em Lesbos. “Mas seria melhor se não estivessem tão visíveis.”

Tentando apagar estes traços, o presidente da câmara de Mitilene vai todos os dias numa carrinha pick-up limpar a costa dos restos dos barcos e dos coletes salva-vidas. Isto leva-lhe pelo menos quatro horas por dia. “Eu sei, eu sei, vivemos do turismo”, diz à rádio norte-americana NPR. “Mas se esta situação está acontecer à nossa porta, temos de a gerir com humanidade.”

Ajudar e depois ir à praia
O pior que pode acontecer é os turistas terem pena dos refugiados. Como Paula e Meidert Dieiers, da Holanda, que encontraram um equilíbrio: “De manhã tentamos ajudar”, conta Paula numa reportagem da NPR, com o carro alugado cheio de bolachas e água para distribuição. “De tarde vamos à praia. Assim é mais fácil relaxarmos.”

Ao começar a perceber que as ilhas gregas estavam a receber cada vez mais refugiados, outro holandês, Niels Verheij, e a mulher, Andrea, começaram a considerar cancelar a viagem para Kos. “Quem vai de férias não está à espera de ver refugiados”, contam. Mas pensaram melhor. “Estas pessoas deixaram as suas casas não por diversão, mas por causa da guerra”. Assim, da hesitação, o casal começou a pensar em maneiras de ajudar. E foram para Kos com duas malas de sapatos, depois de Neils ter visto uma imagem de um migrante num banco de jardim sem sapatos (muitos dos que viajam de barco são obrigados a deixar os sapatos antes de embarcar).

Uma agência de viagens decidiu oferecer 20 quilos de bagagem extra para os turistas que queiram trazer roupas para os migrantes.

Acções de turistas são contadas pelos poucos que se juntam para ajudar os refugiados nas redes sociais. No Facebook, é partilhada uma nota de um casal que deixou 100 euros, a quantia que iriam gastar num cruzeiro de um dia pela ilha.

Alguns refugiados têm mais meios – são normalmente sírios de classe média que conseguem dividir um quarto num hotel. “Não sei o que [os turistas] pensam de mim, mas estou a pagar, como eles”, contava Shamali, um deles. Na verdade, adianta, estão a pagar mais do que os turistas habituais. “Eu sei, somos um risco.”

Gregos não têm nada
A sueca Pernille Gusta, 27 anos, contou ao diário britânico The Guardian que houve um problema no seu bloco de apartamentos: uma família inglesa mudou-se para outro sítio por causa da presença de uma família muçulmana, que tomaram como migrantes. Afinal, eram uma família francesa, de férias como todos os outros.

Os turistas preferiam não ver os migrantes, e estes preferiam não estar aqui. Querem seguir para Atenas, e daí para outros países com melhores hipóteses – Alemanha, Suécia, Reino Unido. Mas como as autoridades não conseguem dar conta de tanta gente, tudo leva mais tempo, e o que demorava menos de uma semana pode demorar agora duas.

O Guardian conta como habitantes de Kos vão passando pelo acampamento e deixando coisas aos refugiados. Uma mulher trouxe uma série de brinquedos para as crianças, afastando-se rapidamente enquanto um dos pais se emocionava com gratidão. “Os gregos passam um mau bocado, não têm nada. As pessoas sem nada percebem melhor do que as que têm tudo”, comentou o afegão.

Caroline Ryderker, que tem uma loja em Kos, resume: “É horrível para as pessoas que perderam as suas casas, mas também está a causar problemas às pessoas com lojas e restaurantes. Esta ilha já tinha os seus problemas”, desabafa. “As pessoas são simpáticas – dão-lhes cobertores, mas já têm tão pouco elas próprias. Não se pode partilhar o que não se tem”.

Esta semana, um grupo de voluntários de Kos anunciou que não conseguia mais alimentar os refugiados. “Tínhamos de fazer a comida [em casa] e isso leva tempo e dinheiro”, conta Gorge Chertofilis à BBC. Os voluntários têm os seus empregos e não têm “assim tanto dinheiro – não somos responsáveis oficiais, somos simplesmente um grupo de amigos.”

Ao início ainda conseguiam fazer umas 300 a 400 refeições por dia, mas actualmente era preciso servir mais de mil. Os voluntários esperam que as autoridades locais os substituam nesta tarefa.

Não são só os voluntários locais a fazer apelos. Numa visita recente, o responsável do Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados Vincent Chochetel disse que a Grécia estava a dar um nível de ajuda aos refugiados inferior do que existe, por exemplo, nos Camarões. Mas Cochetel diz que a situação é “gerível”, se as autoridades gregas “acordarem” e as europeias cooperarem. 

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