Rua-esplanada

É uma das mais antigas ruas do Porto, no coração do centro histórico e património da Unesco. Fechada ao trânsito, tem agora os seus passeios dedicados a esplanadas.

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O Porto anda assim: estamos uns meses sem passar numa rua e, quando lá voltamos, ela recebe-nos com uma mão cheia de novidades. É o turismo a ditar o rumo da cidade, como nunca antes o fez, e nós a tentar acompanhar-lhe o ritmo. Estou a falar da Rua da Fonte Taurina, rua medieval no coração do centro histórico do Porto. Foi aí, ainda adolescente, num fim de noite depois de um concerto nos Aliados, que bebi a minha primeira cerveja. Foi aí que me deixei impressionar pela curta distância que vai da janela de uma casa à da vizinha, criando a ilusão que, mais do que conversar de uma habitação para a outra, podemos dar as mãos a quem mora à nossa frente.

Há décadas que esta é uma zona de bares e restaurantes, nada desconhecida do turismo, portanto. Mas é também casa de gente que teima em fazer do centro histórico a sua morada, pendurando lençóis lavados à janela, dando um outro colorido à rua um pouco escura, que serpenteia entre a Praça da Ribeira e a Rua da Reboleira. Não seria por isso surpresa que uma passagem pela Fonte Taurina significasse cruzarmo-nos com pessoas de copo na mão, à conversa e encostadas a uma das fachadas do casario; ou com visitantes de máquina fotográfica ao pescoço e nariz no ar, a ver a ondulação da roupa a secar, as varandas de ferro e a nesga de céu lá em cima.

Mas, agora, bares e restaurantes instalaram-se na rua, aproveitando a ausência de trânsito. As esplanadas tomaram conta do caminho e é preciso ziguezaguear entre elas. Não me recordo de outra assim na cidade, com as esplanadas a ocupar toda a largura da via. É como se a rua quisesse reivindicar algo particular, único, no meio de tantas e tantas outras cada vez mais ocupadas por espaços dedicados aos turistas.

Se nos anos 80, a Ribeira era, por excelência, o local para se estar na noite do Porto, hoje não falta quem queira abrir, nas velhas casas altas e estreitas de vasos à janela, alojamentos locais, guesthouses, hostels. A Rua da Fonte Taurina, com o Douro à porta e o Património Cultural distinguido pela Unesco a fazer-se sentir em todos os poros, serve hoje de morada temporária para quem chega de visita para ficar uma ou duas noites. Como será dormir ali, entre as vozes de quem grita pelos miúdos que mergulham no rio, à hora de regressarem a casa? Entre as conversas das velhas e o silêncio que sobrou, depois de “a noite” portuense se mudar para outras paragens? Será que velhos fantasmas da cidade medieval percorrem a rua, depois de as esplanadas serem finalmente recolhidas?

A Rua da Fonte Taurina é das mais antigas do Porto, havendo referências à sua existência já no século XIII. O nome virá de uma fonte que ali existiu, num ponto que não está definido, mas que se admite que ficasse próximo da intersecção com a Praça da Ribeira. É um nome curioso e cuja origem é um mistério — será que tinha a imagem de um touro? Taurina, como explica o dicionário, é um ácido que existe na bílis, mas dificilmente será essa a razão para o nome de uma fonte ancestral. Por outro lado, também não é certo que Taurina fosse o seu nome original, já que, como contou Germano Silva numa das suas crónicas sobre a cidade, a designação da fonte já variou entre Aurina, D’Ourina ou Tourina, antes de se ficar por aquela que hoje aparece na placa toponímica. Se as pedras da calçada falassem, se as fachadas das casas se transformassem em rostos antigos para nos dizerem o que já viram e ouviram, talvez conseguíssemos decifrar o mistério. Assim, basta-nos percorrer, de vez em quando, aquela estreiteza, mirar as fachadas, desviarmo-nos das esplanadas, beber um copo e deixar que a rua, a de ontem e a de hoje, tome conta de nós.

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