Os Sete e os europeus roubados

Vem conhecer o François, a Angela, o Matteo, o Mariano, o Charles Michel, o Xavier e o Mark. Eles são o Clube dos Oito Menos Um e estão prontos para resolver mistérios a qualquer hora.

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Vamos reunir os membros do Clube dos Seis, — disse o François à Angela — há imenso tempo que isso não acontece.

— Acho boa ideia, disse a Angela, lambendo os dedos gorduchos que sujavam de compota de mirtilos e de flocos de aveia o dossier do Tratado Orçamental. — Não foi por nos termos esquecido do Clube, François, mas temos andado tão ocupados com o crescimento da extrema-direita e outras distracções, que ainda não tivemos tempo de marcar a primeira reunião. Na verdade, nem sequer existimos ainda!

O François endireitou os óculos com uma expressão perdida e olhou para a sua amiguinha alemã. Como a Angela cresceu desde que nos conhecemos, mas cresceu para os lados!, pensou o pequeno rapazinho francês, um pouco apreensivo.

— Mas, Angela, não vale a pena termos um clube para mandar no Euro se não nos reunirmos. O nosso rival Eurogrupo nem sequer tem estatutos e manda muito mais do que nós!

— Fala por ti, que eu mando e não é pouco — disse logo a Angela, orgulhosamente. O François fez de conta que não ouvira o reparo:

— É preciso avisar os nossos amigos. Escreves tu os bilhetinhos secretos?

— Eu escrevo ao preguiçoso da Europa do Sul, o italiano, a pedir-lhe que ele convoque os do Norte, para ver se trabalha alguma coisa — disse a Angela com um brilho enigmático nos olhos azuis ora ternos, ora glaciais. — Confias no Matteo? É fundador disto, só que há muito que gasta mais do que as suas possibilidades.

— E temos o problema do Mariano. Exige entrar no clube, apesar de não ser fundador. Diz que vem daí disparado de Espanha. O problema — suspirou o François, tentando dar à voz um tom importante — é que assim passamos a ser O Clube dos Sete, e esse acho que já existe!

— Resolvemos esse problema depois —, atalhou a Angela, roendo um delicioso biscoito de gengibre, com um ar desinteressado —, o importante é que vamos brincar aos donos da Europa e resolver muitos crimes e mistérios. Viva!

Dias depois, a velha arrecadação em Bruxelas ganhava uma azáfama que há muito não se via. Um lufa-lufa que fazia levantar o pó do chão e as teias de aranha da cabeça dos amigos. O Clube dos Seis estava finalmente reunido, ou melhor, o Clube dos Seis Mais a Espanha, porque o Mariano sempre  aparecera, felizmente carregado com deliciosas tortilhas feitas pela mãe, e foi aceite sem mais delongas.

— Tenho cá um apetite! — exclamou o Charles Michel, que sendo belga vivia ali perto. O Xavier Bettel não cabia em si de excitação por finalmente poder mostrar que o Luxemburgo tem mais pessoas além do Jean-Claude Juncker. O último a chegar foi o Mark Rutte, que trazia da Holanda uma novidade misteriosa.

— Calma, primeiro temos de combinar a senha secreta — disse a Angela. Todos franziram os narizes. Realmente, era só o que faltava, que viessem intrusos meterem-se no núcleo do euro, só porque também pagam em euros o fiambre e o pão na mercearia! — Só com a senha secreta é que se entra, eu proponho que seja “salsicha de frankfurt” — continuou a Angela.

— Eu prefiro “baguette estaladiça” ou então “queijo Roquefort” — disse logo o François.

— “Spaghetti à bolonhesa” é que é uma senha “deliciomidável” — disse o Matteo Rizzi a rir — é uma mistura de delícia e formidável. Menos de 17 horas depois já tinham chegado a acordo. Seria “marco alemão”, senha que se impusera com toda a naturalidade. Os petizes podiam finalmente avançar com as suas aventuras de poder. Foi então que o Mark Rutte pôs um olhar carregado e pediu a palavra.

— O meu amigo holandês do Eurogrupo, o Jeroen Djissel... Djisselb... ai, vocês sabem, o dos caracolinhos com gel, acha que na casa aqui ao lado há movimentos suspeitos!

— Aquela a que chamam “solar do grego”? — espantou-se o François — mas há anos que essa casa está abandonada!

— Vamos vigiá-la, adoro vigiar! — exclamou a Angela.

— Boa, vamo-nos disfarçar! — gritaram todos em uníssono.

Disfarçaram-se tão bem que na rua passavam perfeitamente por democratas em calções empenhados no ideal europeu, apesar dos joelhos esfolados. A casa parecia mesmo desabitada, com as vidraças quebradas,  os algeroz solto e as velhas tábuas rangentes como a dívida soberana. Havia marcas de pneus recentes na relva seca.

— Ali, ali, viram? Um careca no primeiro andar! — gritou o François. Um som aterrador saiu de repente das traseiras. Os sete amigos ficaram da cor da cal. Logo a seguir viram uma grande moto rugidora com um homem de expressão diabólica e camisa colorida (num padrão nunca visto) que passou por eles a acelerar, quase atropelando a Angela. Deixou cair um caderno na fuga.

— Rápido, vamos decifrar este mistério — disse um dos jovens detectives. O caderno estava em grego codificado: era o Plano Varoufakis. Aterrados, os sete amigos leram um plano de revolução e destruição da Europa.

— Vejam aqui! Esse bandido da moto queria que os funcionários da troika também tivessem um corte de 40 por cento, igual ao dos gregos que ganham 300 euros por mês. Mas os funcionários da troika só ganham 18 mil euros por mês!

— Isto são medidas de um bom-senso absolutamente escandaloso! Esse homem devia ser preso por traição. Quem vota a favor, rápido?

— Eu, eu, eu!, disseram todos em uníssono ao fim de 17 horas. Chamou-se o guarda Schäuble, que deitou fogo ao solar abandonado. As chamas eram lindas e misteriosas.

— Pronto, este já está  — disse o simpático guarda Schäuble, observando as labaredas na sua cadeira de rodas. De súbito, a Angela estremeceu. As chamas saltaram para os telhados vizinhos e queimaram a cidade, o que os deixou admirados.

— Béu, béu — ouviu-se de repente. Chegara, com as suas orelhas peludas, um cão-de-água português. Os olhinhos pouco expressivos mas espertalhões pareciam dizer: “por acaso, isto foi tudo ideia minha.”

— Dá a pata, Coelho — disse a Angela, risonha.

— Este simpático cãozito chama-se Coelho? — guinchou o François. E todos se riram porque agora é que o clube estava completo.

— O clube dos Oito Menos Um é o melhor clube do mundo!

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