Tribunal manda demolir 28 apartamentos em Albufeira

Prédio foi erguido num lote destinado a piscina e área de lazer. Condóminos queixaram-se e o construtor comprou o seu silêncio com a oferta de dois apartamentos e 50 mil euros.

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Em vez de uma piscina e zona de lazer, surgiu um prédio igual aos que já existiam na urbanização FILIPE FARINHA/STILLS

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé mandou a câmara de Albufeira demolir 28 apartamentos na urbanização Roja Pé, nos Olhos d ‘Água. O custo da execução da sentença, a suportar pelo erário público, pode chegar aos cinco milhões de euros. Caso a decisão judicial não seja acatada, passados 120 dias, o presidente da câmara e os vereadores começam a pagar, do próprio bolso, 25 euros por dia cada um. Os apartamentos foram construídos de forma legal, mas segundo o acórdão têm mesmo de ir abaixo porque foi violado do Plano Director Municipal (PDM). O construtor diz que gastou meio milhão de euros para conseguir a alteração do projecto.

Os condóminos do prédio do lote 5, com 16 apartamentos, reuniram na sexta-feira em assembleia-geral extraordinária para decidirem que medidas vão tomar para travar, ou adiar, a decisão judicial. Nesta segunda-feira, é a vez dos proprietários do lote 4 decidirem a estratégia de defesa. Sobre este prédio recai, também, a ordem judicial para deitar abaixo o último piso do edifício - mais 12 apartamentos.

O assunto foi entregue aos advogados, mas entretanto os lesados quiseram ouvir o presidente do município, Carlos Silva e Sousa (PSD). “A sentença transitou em julgado, vai ter de ser cumprida”, disse o autarca na última reunião pública da câmara, realizada na quarta-feira. Jurista de formação, o autarca nada prometeu mas abriu uma janela: “Adquiram as casas de forma legal façam valer os vossos direitos”. E, num gesto como que a fazer estalar de dedos, advertiu: “o direito não é automático, consultem os vossos advogados”

O que se passou foi que, em vez da construção de uma piscina e uma zona de lazer, de utilização colectiva, no lote 5 surgiu um prédio igual aos que já existiam na urbanização e uma pequena piscina (3x3 metros). A mudança do uso do terreno, levada a cabo pelo construtor Luís Canas, das Caldas da Rainha, teve a aprovação da câmara, que mais tarde emitiu as licenças de utilização. Depois as escrituras de compra e venda foram feitas e os apartamentos foram registados na Conservatória do Registo Predial sem qualquer problema.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé concluiu, no entanto, que a câmara de Albufeira, na altura presidida pelo actual presidente da Região de Turismo do Algarve, Desidério Silva, PSD, violou o PDM quando aprovou a alteração do alvará. E agora, decorrida mais de uma dezena de anos, chegou a ordem de demolição dos 28 apartamentos. Os proprietários só foram notificados da sentença no passado dia 27 de Julho, por carta envidada pela câmara, apesar de a sentença ter sido proferida em 2011 e transitado em julgado em 2013. 

Na última reunião camarária, o actual presidente da autarquia defendeu o seu antecessor. “A decisão foi tomada com base em pareceres técnicos favoráveis”, argumentou. Os vereadores da oposição subscreveram também essa tese, declinando responsabilidades do poder politico na decisão. O ex-vereador socialista Vítor Clemente lembrou porém que, na altura, foi o único membro do executivo a votar contra a alteração do projecto "depois de ter ido ao local a pedido de uma queixosa”.

Na origem deste caso, disse Luís Canas ao PÚBLICO, “estão umas queixas maldosas de pessoas que exigiam o acesso à piscina do lote 5, alegando que estavam a ser impedidas de o fazer, o que não era verdade”. As reclamações, sublinhou, deram origem a um embargo das obras numa altura em que a construção do lote 4, situado ao lado, se encontrava a 60%. 

"Para que fossem retiradas as queixas, tive de oferecer dois apartamentos a duas das queixosas, mais 50 mil euros a outra”, garante o construtor. Com este processo e o embargo das obras, que durou ano e meio, gastou 500 mil euros, afirma. Uma vez retiradas as queixas, por negociação particular, a câmara autorizou o pedido de alteração do alvará e os trabalhos foram retomados.

O empresário, sócio da empresa “Monte da Balaia, Construções, Ldª , justifica o pedido da alteração do projecto com razões de mercado. O alvará desta urbanização, atribuído a um alemão, antigo proprietário do Hotel Alfamar, vem dos anos 1979/80. Em 2000, já com uma parte dos prédios construída, a Monte da Balaia adquiriu a propriedade. Nessa altura “os presidentes de câmara tinham muito poder”, diz Luis Canas, aludindo à forma como os interesses privados e públicos se cruzavam.

No seu caso, relata, a alteração do alvará implicou uma troca. “Em vez da zona de lazer do lote 5, fez-se um prédio, mas prescindimos de construir em três lotes onde havia uma zona de pinhal” .

A sentença, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, veio mais uma vez pôr em causa as relações entre poder autárquico, técnicos e construtores civis. “Qual a responsabilidade dos técnicos que deram os pareces favoráveis?", perguntou, na reunião pública da câmara, José Colaço, um dos moradores do lote 4. A questão não teve resposta, mas Carlos Silva e Sousa insistiu na necessidade de os lesados “defenderem os seus direitos”. Da parte da câmara, acrescentou, tem de se cumprir a sentença.

O autarca admitiu que, em termos jurídicos, “há outros caminhos” a seguir, não pela câmara, mas pelas pessoas que compraram os fogos de boa fé. Em declarações ao PÚBLICO adiantou que o dinheiro que câmara terá de despender com indemnizações e com a demolição dos apartamentos ascende a alguns milhões de euros. "Provavelmente o custo é superior ao do bem que se pretende proteger”, observou.

Esse valor, diz o advogado José Morais, pode chegar aos cinco milhões. No entanto, o causídico, em representação dos proprietários, entende que “há outras soluções”, não adiantando quais. No mesmo sentido, o presidente da câmara, apontou um pormenor: “Os moradores foram citados, através de um edital afixado na porta do tribunal ”.

Venda de casas à margem da lei
Embora a câmara tenha recebido ordem do Tribunal para cassar as licenças de utilização há dois anos, só há pouco mais de uma semana é que deu conhecimento aos interessados. “Ainda no passado mês de Maio foram feitas duas escrituras de venda de apartamentos do lote 5”, que vai ser demolido.

Para o construtor Luís Canas, contudo, esta situação "não é nada estranha". E deu um exemplo. A câmara, dez anos depois da construção da piscina do lote 5, exigiu-lhe "o pagamento de água com juros de mora, num valor de quase dez mil euros”. Por não ter pago, alegando que não lhe cabia a ele essa responsabilidade, mas sim ao condomínio, penhoraram-lhe os bens. "Tive de lá ir entregar o dinheiro”. Mas a situação que considera mais “injusta”, acrescenta, foi a postura da administração tributária. “Paguei impostos dos apartamentos que ofereci como se os tivesse vendido”.

Andreia Guerreiro, por sua vez,  comprou um apartamento com recurso a empréstimo bancário, há dez anos, por 110 mil euros. “Como é que vou pagar o resto das prestações?”, pergunta, pensando nas consequências demolição e salientando que este caso vai ter reflexos negativos na imagem do Algarve no estrangeiros já que o bloco cinco é habitado por muitos ingleses.

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