A única cópia do filme maldito de Jerry Lewis sobre o Holocausto vai poder ser vista

The Day the Clown Cried foi entregue à Biblioteca do Congresso dos EUA e poderá ser mostrado publicamente dentro de dez anos.

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A estrela da comédia norte-americana, o adorado rei do slapstick Jerry Lewis, fez um filme em que é um palhaço que entretém as crianças judias num campo de concentração. Decidiu contudo que o filme “nunca será visto”, nem após a sua morte. Causa-lhe “vergonha”.

Pouquíssimas pessoas terão visto o filme de 1972, e sabe-se que uma cópia chegou a ser impressa. Mas parte do espólio do actor foi entregue à Biblioteca do Congresso dos EUA e dele consta o infame The Day the Clown Cried.

The Day the Clown Cried faz parte da lista de filmes nunca lançados de Hollywood sobre os quais muito se fala e que atingiram um estatuto mítico – pelos piores motivos. É detestado pelo actor, que financiou o filme e fez grandes alterações ao guião do crítico de televisão Charles Denton, com base numa ideia da ex-relações públicas e criadora de séries Joan O’Brien. E, guardado no gabinete de Lewis numa mala, ficou enterrado sob uma pilha de secretismo que, claro, geraria muita curiosidade.

A novidade soube-se de uma forma também pouco convencional. Num trabalho do Los Angeles Times sobre a preservação do cinema mudo e arquivos cinematográficos, surge a informação – “no 21.º parágrafo”, como a imprensa internacional está a frisar – de que já não é só Lewis que tem acesso a The Day the Clown Cried. Conhece-se apenas uma cópia e essa terá saído das mãos do actor de 89 anos para a Biblioteca do Congresso. O curador da instituição encarregue do cinema, Rob Stone, comprometeu-se a não mostrar o filme durante pelo menos mais dez anos.

“Se alguma vez fosse lançado, causaria uma agitação tão grande quanto um bailado redescoberto de Balanchine ou um Van Gogh desenterrado”, previa em 1992 o jornalista Bruce Handy, que escreveu para a revista Spy o texto com mais informação sobre o filme maldito – e com conversas com oito pessoas que o viram. À época, seria o primeiro “filme sério” de Lewis, situa o repórter, e o comediante ponderou se não seria melhor entregar o papel do palhaço Helmut Doork (nome criado por Lewis, que não gostou do simples Karl Schmidt original) a alguém como Laurence Olivier. Mas o projecto continuou e teve mesmo uma presença agendada no Festival de Cannes e material promocional pronto.

Houve atribulações financeiras na produção – Nathan Wachsberger produziu o filme mas não tem dinheiro e Lewis tem de se apresentar também como produtor, os direitos nunca chegam a ser adquiridos a Joan O’Brien – e o material rodado estava cheio de alterações feitas por Lewis, que tomou as rédeas como realizador e actor. Admitiria mais tarde que, durante as filmagens na Suécia, estava viciado em analgésicos e exausto. Resumiu em 2013 o que pensa hoje do resultado final: “Era mau, e era mau porque eu perdi a magia. Nunca ninguém o verá porque tenho vergonha do mau trabalho”.

A história do palhaço alemão preso por gozar com Hitler e enviado para um campo de concentração, no qual tenta entreter as crianças judias ali detidas e que acaba por se sacrificar com as crianças na câmara de gás, ficou “um desastre”, disse Joan O’Brien, emocionada, à Spy. O mais famoso dos seus poucos espectadores, Harry Shearer, comediante e voz de várias personagens de Os Simpsons, achou-o “drasticamente errado, o seu pathos e a sua comédia estão tão absurdamente deslocados”. 

O filme voltou a ser falado há dois anos, quando algumas imagens das filmagens do projecto e seus bastidores, em que surgem Serge Gainsbourg e Jane Birkin, emergiram no YouTube. “Um milagre cinematográfico”, considerou a New Yorker, em nome da curiosidade dos amadores e dos historiadores de cinema.

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