O Chile celebra morte do número 2 de Pinochet

O general Manuel Contreras era o director da temida polícia secreta Dina, que torturou e matou milhares de pessoas

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Manuel Contreras, numa foto de 2014 Carlos Barria/REUTERS

Manuel Contreras era director da temida polícia secreta da ditadura chilena e o braço direito de Augusto Pinochet. Estava condenado a 520 anos de prisão por crimes contra a humanidade, e ainda tinha vários processos pendentes, mas morreu nesta madrugada, no Hospital Militar de Santiago do Chile, aos 86 anos, por motivos não especificados – mas sofria de várias doenças, entre as quais cancro do cólon e leucemia.

Quando se soube a notícia, dezenas de pessoas vieram comemorar para a entrada ao hospital, com bandeiras, um coro de buzinadelas e champanhe que bebiam em copos de plástico. “Assassino, assassino”, gritavam. Desde a morte de Pinochet, em 2006, sem ter chegado a ser julgado pelos crimes da ditadura, que não se via celebrações assim na rua, a propósito da morte de alguma figura da violenta ditadura chilena (1973-1990).

É que precisamente o general Manuel Contreras não era um qualquer. Foi criador e director-geral da temida Direcção Nacional de Inteligência (Dina), à qual é atribuída a autoria da maioria das 3200 mortes – ou desaparecimentos – durante o regime militar, e também da tortura de mais de 38 mil pessoas.

A seguir ao golpe de 1973, supervisionou o rapto de milhares de militantes de esquerda, que foram encerrados num estádio em Santiago. Esse foi o primeiro dos centros de detenção criados pela Dina, em que centenas de pessoas foram torturadas, e pelo menos 150 foram mortas – os seus corpos foram lançados ao mar, com pesos, para não voltarem à tona. A actual Presidente, Michelle Bachelet, esteve presa, durante algum tempo, num desses centros.

Contreras ajudou também a organizar a Operação Condor, um esforço coordenado das ditaduras sul-americanas em meados da década de 1970 para eliminar dissidentes que se refugiavam nos países vizinhos.

Por tudo isto, Contreras tornou-se a segunda figura mais poderosa do regime, a seguir a Pinochet, que tinha sido seu professor na Academia de Guerra. No entanto, nos últimos anos da ditadura, Pinochet e Contreras desentenderam-se.

A queda do director da Dina começou com o assassínio, em Washington, de Orlando Letelier, que tinha sido ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros de Salvador Allende, o Presidente deposto – e morto – pelo golpe de Pinochet, em 1973. A investigação levada a cabo pelo FBI descobriu a implicação de um norte-americano agente da Dina, Michael Townley, um ex-militar chileno e uma organização anticastrista. Os implicados entraram nos EUA com passaportes falsos e confessaram ter recebido de Contreras a missão de assassinar o ex-ministro de Allende.

Pinochet não extraditou o director da Dina para Washington, como lhe exigiam os EUA, mas acabou por dissolver aquele organismo e a influência do seu ex-número dois diminuiu consideravelmente.

Contreras manteve sempre uma atitude de negação da autoria dos seus crimes – e não mostrou qualquer arrependimento. Mas quando a ditadura de Pinochet chegou ao fim, fugiu. Após o Supremo Tribunal ter confirmado a condenação a sete anos de prisão pelo assassínio de Letelier, recusou entregar-se e refugiou-se num regimento do exército, tentando implicar os militares na sua defesa. “Não vou para prisão nenhuma”, declarou, numa comunicação ao país.

Mas não o conseguiu. O exército não se opôs à sua detenção, frisando apenas que teria de ser tratado com dignidade.

Em 2005, voltou a estar frente a frente com o velho amigo, mas agora nem por isso, Augusto Pinochet, para uma acareação judicial, feita a pedido de Contreras, depois de Pinochet ter dito que desconhecia a relação de proximidade que tinha com o ex-director da Dina e até que ele nunca esteve sob o seu comando. Em causa estava a Operação Colombo, que diz respeito à tortura e desaparecimento de 19 opositores. Os dois antigos colaboradores acusaram-se mutuamente dos crimes em questão.

Augusto Pinochet, que tinha exagerado nos seus sintomas de senilidade para escapar à justiça, fez um depoimento baseado no “não me lembro”, relatava o jornal espanhol El País. Quando o juiz perguntou ao ex-ditador sobre as ordens que terá dado ao ex-director da Dina para os muitos crimes que executou, respondeu: “Não me lembro, mas não tenho a certeza. Não é certo que assim seja, e se foi assim, não me lembro. Contreras gostava de embelezar as coisas, envolver o chefe, para poder fazer as coisas como queria”, argumentou.
 

Correcção: revolução de 1973 mudado para golpe de 1973
 

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