Vendas de bicicletas em Portugal dispararam 30% num ano

Portugal produz cada vez mais bicicletas para consumo nacional e para o estrangeiro. O recurso à bicicleta como meio de transporte, e não só lazer, é uma das explicações.

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Rui Farinha

Os portugueses compraram mais 30% de bicicletas no espaço de um ano, um consumo que gerou mais 31% de receitas no mesmo período. Os dados, do Instituto Nacional de Estatística (INE), indicam que foram vendidas quase um milhão e meio de bicicletas sem motor em 2014 (1.406.302), e contabilizadas receitas de 178,3 milhões de euros, os valores mais elevados, pelo menos, dos últimos três anos.

As bicicletas vendidas em Portugal vieram, na sua quase totalidade, de produção nacional, uma tendência que está a contribuir para a recuperação e mesmo expansão da indústria nacional de produção de bicicletas e componentes. Nos dois anos referidos, a produção nacional cresceu 38%, graças também a um crescimento significativo das suas exportações.

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Para a Abimota (Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas), esta nova dinâmica da indústria portuguesa pode levar a um crescimento do sector até 10% até ao final do ano. Segundo Paulo Rodrigues, presidente da Abimota, o sector das bicicletas em Portugal nunca deixou de funcionar como aconteceu em outros países da Europa, o que foi fundamental para o seu desenvolvimento. Em 2013 tinha registado uma quebra de 3% nas vendas nacionais, embora as perspectivas para o mercado externo já fossem melhores, mas ainda longe do boom do ano passado.

Paulo Rodrigues explica que no mercado nacional existe um conjunto de empresas que produzem componentes para bicicletas que, “além de uma capacidade de resposta flexível e de qualidade, integra ainda capacidade industrial para novas necessidades e tendências do mercado, nomeadamente o uso de fibra de carbono, microtecnologias, ferramentas, mobilidade eléctrica e tecnologias de informação”.

Nos últimos anos, o mercado nacional tornou-se atractivo também para grandes marcas internacionais, que procuram responder às exigências do mercado em termos de entrega, flexibilidade de produção e garantias de qualidade.

Portugal é, para alguns investidores, uma alternativa aos países da Ásia. A Orbea, marca do grupo basco Mondragon, viu no mercado nacional uma boa opção para aumentar o seu nível de competitividade. Presente em 55 países em todo o mundo decidiu encerrar a fábrica que tinha na China e construir uma fábrica de raiz em Aveiro.

O representante da Orbea em Portugal, Natalino Faria, diz ao PÚBLICO que os salários na China foram decisivos para esta mudança. “Devido ao aumento dos salários naquele país deixou de se fazer um bom negócio e, por consequência, a competitividade da empresa começou a diminuir”, explica o representante. Já com uma unidade fabril alugada em Portugal, responsável pela produção de algumas peças para bicicletas, o país pareceu o melhor local para a marca espanhola.

Natalino Faria afirma que “para além de pessoas com um nível de trabalho de excelência e altamente especializado, o país tem também uma mão-de-obra mais barata comparativamente a outros países, como é o caso de Espanha”.

“A cidade de Aveiro é, também, uma boa opção para a construção da nova fábrica, porque irá permitir um envio de contentores mais fácil e com custos menos elevados, devido à sua localização na Europa e à pequena distância a que está do porto de Leixões”, explica o representante português. 

O arranque desta fábrica em Aveiro está marcado para o final de Outubro deste ano e, segundo o representante português da Orbea, irá dar emprego a trabalhadores da região e poderá gerar cerca de 30 milhões de euros de receitas por ano.

“Procura-se reduzir as emissões de dióxido de carbono associadas ao transporte em massa da Ásia de um produto que se quer “verde” e, consequentemente, à pegada ecológica associada. Portugal afigura-se portanto como a alternativa mais credível”, afirma Paulo Rodrigues.

Em termos nacionais, apontam-se como exemplos de sucesso as empresas que desenvolvem novos produtos, como a Polisport, com produção especializada em acessórios para bicicletas. A empresa de Oliveira de Azeméis é líder na produção mundial de cadeiras destinadas a crianças para instalar em bicicletas, mas é também reconhecida pelas garrafas de plástico e pára-lamas para os mesmos equipamentos.

Carla Almeida, do departamento comercial da Polisport, refere ao PÚBLICO que o mercado promete acompanhar a tendência de crescimento, uma vez que há cada vez mais pessoas a usarem bicicletas quer por uma questão de moda, causas ambientais que para o desporto.

A empresa de componentes para bicicletas atribui o seu crescimento e reconhecimento de mercado à aposta feita em tecnologia avançada e na experiência ganha ao longo dos anos. A mesma responsável afirma que “ter clientes de países muito desenvolvidos, como a Alemanha, faz com que os processos nacionais de fabricação se tornem melhores”. Para a empresa, que exporta 98% da sua produção total, “o facto de trabalhar com clientes muito exigentes obriga a que o produto final seja de uma grande qualidade.”

Bicicletas mais caras
No mercado nacional, outra tendência que se verifica é que os compradores de bicicletas tendem a comprar equipamentos gradualmente mais caros. Por exemplo, as vendas em 2013 caíram 3% em relação ao ano anterior mas, ao contrário do que se poderia esperar, o valor de mercado sentiu uma subida, mesmo que pouco significativa, de 133 milhões, em 2012, para 136 milhões de euros, no ano a seguir.

Os consumidores portugueses compram, em média, bicicletas com preços entre os 200 e os 300 euros, mas há também aqueles que optam por adquirir bicicletas de 10.000 euros ou valores superiores.

O presidente da Abimota tem uma explicação para esta tendência. “Ainda que as vendas possam ter diminuído [de 2012 para 2013], o valor de mercado aumentou porque as bicicletas usadas no segmento de mobilidade [não lazer nem desporto] são mais caras”, explica o presidente da Abimota.

José Manuel Caetano, presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB), reitera as estatísticas e diz que, de facto, existem mais utilizadores da bicicleta e uma maior circulação e que este desenvolvimento se deve à necessidade de mudança e ao avanço dos tempos.

Para José Manuel Caetano, com as gerações mais jovens a não terem o rendimento necessário para suportar as despesas de um automóvel e com a obrigatoriedade da redução da emissão de dióxido de carbono imposta aos países, esta tendência do uso da bicicleta só poderá aumentar.

Quando questionado sobre a quantidade de ciclovias e de condições para os ciclistas que as autarquias implementaram, o presidente da FPCUB diz os progressos são já visíveis, “mas mesmo que, no futuro, isso não é o mais importante. O mais importante é a acalmia do tráfego automóvel”, explica.

Duas rodas eléctricas
As bicicletas eléctricas começam também a ganhar cada vez mais adeptos. Estima-se que o crescimento do uso das chamadas e-bike esteja já nos 30% ao ano, a nível europeu. Dados da Abimota referem que, em 2014, as vendas de e-bikes só na Alemanha chegaram ao meio milhão de unidades e, na Holanda às 200 mil, o que tem influência no sector em Portugal.

Perante o potencial de crescimento desta indústria, as 37 empresas representadas na Abimota e que integram o chamado cluster da mobilidade suave apostam no desenvolvimento tecnológico. Representando as empresas, a Abimota apresentou a candidatura a fundos do Portugal 2020, no valor de cerca de 4,2 milhões de euros.

De acordo com Paulo Rodrigues esta candidatura assenta em dois eixos, “na capacitação da oferta e na indução da procura”. A qualificação e a promoção da oferta industrial serão impulsionadas no projecto Portugal Bike Value, que quer atrair o investimento estrangeiro, promover a internacionalização das empresas e apostar na investigação e inovação dos materiais.

Os projectos sobre mobilidade urbana, a promoção do turismo clicável e frotas de distribuição urbana são também objectivos da candidatura. A economia verde não fica esquecida no projecto. Planos para a avaliação do “impacto da utilização de bicicletas e outros modos suaves de descarbonização e para os green jobs” também estão no horizonte.

Texto editado por Lurdes Ferreira

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