Ai Weiwei, um homem livre à procura de uma vida normal em Berlim

Duas semanas depois de ter recuperado o passaporte, o artista chinês, que quer ser professor na Universidade das Artes de Berlim, diz que “a atitude de Pequim mudou um pouco”.

Ai Weiwei com o filho numa piscina, já na Alemanha
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Ai Weiwei com o filho numa piscina, em Munique, antes de partir para Berlim DR
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No dia em que recuperou o seu passaporte Reuters
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O artista tem passado os dias com o filho, a viver há 11 meses em Berlim AFP
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À chegada à Alemanha AFP
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À chegada à Alemanha AFP

Diz ter a noção de que é vigiado a toda a hora mas fala da China como antes não falava. Quatro anos depois de ter sido preso pelo regime de Pequim, que só agora lhe devolveu o passaporte, o artista chinês Ai Weiwei procura uma nova vida na Alemanha, onde já trabalhou. Mas sem fechar as portas definitivas à China.

Recebeu o passaporte a 22 de Julho, juntamente com as palavras: “És um homem livre”. Foi quanto bastou para que não ficasse muitos mais dias no país que sempre criticou e que nos últimos anos o perseguiu. Ai Weiwei, de 57 anos, já pode sair, e entrar, livremente da China e a primeira decisão que tomou de passaporte na mão foi apanhar um avião em direcção à Alemanha, onde em Berlim decorre uma exposição dedicada à sua obra. É em Berlim também que a sua mulher e o seu filho de quatro anos têm vivido nos últimos meses.

É por isso na capital alemã que o artista e activista chinês planeia estabelecer-se para já, preparando-se para aceitar um cargo que lhe foi oferecido quando ainda não podia sair da China. Ai Weiwei foi desafiado há três anos para leccionar na Universidade das Artes de Berlim como professor convidado.

“Tudo o que quero é uma vida normal”, diz Ai Weiwei numa entrevista ao diário alemão Süddeutsche Zeitung numa breve passagem por Munique antes de chegar a Berlim. “Quero dizer e fazer coisas que beneficiem a nossa sociedade. Não apenas criticar mas oferecer soluções. Odeio pessoas que pensam que são as melhores. Há sempre problemas e há sempre soluções. Se eu não tenho uma solução, por que hei-de falar sobre o problema”, continua, com um discurso muito mais ponderado do que aquele que lhe ouvíramos antes e que surpreendeu o jornalista.

Não há no discurso de Ai Weiwei, que foi detido no Aeroporto Internacional de Pequim em Abril de 2011 por “suspeitas de crimes económicos” e “evasão fiscal”, quando se preparava para apanhar um avião, revolta ou ressentimento pelos 81 dias que passou preso – dias esses em que nunca se soube o seu paradeiro. Na altura, alguns activistas, e o próprio artista, sublinharam que a detenção se inseriu numa campanha de repressão contra a dissidência chinesa, iniciada em Outubro de 2010, quando foi anunciado que o Prémio Nobel da Paz se destinava ao dissidente Liu Xiaobo.

Ai Weiwei, que nunca chegou a ser acusado de algum crime, fala agora de uma “época de incerteza, ansiedade e perigo”. Já o presente “é mais seguro”. “Eu sei mais sobre eles e eles sabem mais sobre mim. Isso é muito bom”, diz o homem que ficou ainda proibido de dar entrevistas e usar as redes sociais durante um ano, além de viajar, após a sua libertação. “Sou um artista. A comunicação é importante para que o outro lado perceba o que é que eu estou a fazer”, acrescenta, explicando que nos últimos anos fez “imensos progressos” no sentido de mostrar ao “outro lado” como pode beneficiar de uma mudança na sociedade. “Eles têm mostrado uma atitude mais positiva em relação a mim.”

“Se o meu Governo tirasse a minha liberdade sem razão, não acho que no final fosse dizer que me compreendem melhor. Eu diria: ‘Estes criminosos são desumanos e estúpidos”, questiona o jornalista alemão. Ao que Ai Weiwei responde: “Não, eles não são estúpidos. Há muitas pessoas humanas e inteligentes no Governo. A doutrina é errada”. Para o artista, o regime chinês não está preparado para mudar porque tem de mudar tudo. Mas adverte: “É fácil destruir alguma coisa. Não sabes é se terás um resultado melhor depois disso. É preciso trabalhar a partir da situação existente”.

Este é o Ai Weiwei que em 2011, logo depois de ter sido libertado, deu uma entrevista à Newsweek, numa altura em que não o podia fazer, para denunciar a situação do país. “Pequim é um pesadelo. Um pesadelo constante”, dizia, criticando a China pela crescente corrupção, pelo sistema judicial, assim como pela sua política em relação aos trabalhadores imigrantes - temas que geram uma grande tensão social no país.

No entanto, nos últimos meses a relação entre o artista e o regime de Pequim parece ter-se apaziguado. Em Junho, um jornal oficial sugeria mesmo um “virar de página” na polémica com o dissidente, ao mesmo tempo que as autoridades consentiam que Ai Weiwei inaugurasse a sua primeira exposição individual no espaço 798, bairro de Pequim dedicado à arte contemporânea. Foi a sua primeira exposição de sempre na China.

“Eles sabem que eu sou alguém que quer fazer da China um lugar melhor. Alguém que se preocupa com as gerações mais novas. Há uma base de confiança, caso contrário não me teriam permitido fazer exposições depois de tantos anos descrito como inimigo do Estado, nem me tinham devolvido o passaporte”, defende agora o autor do estádio do Ninho de Pássaro em Pequim para os Jogos Olímpicos de 2008, em parceria com o atelier Herzog & de Meuron, admitindo que nem sempre foi assim ponderado. “Sou como uma árvore, cresci.”

À rádio pública alemã ZDF, o artista admitiu, porém, que continua a ser vigiado de perto pelas autoridades chinesas. “Eles fazem com que eu saiba que eles sabem o que estou a fazer”, diz, argumentando que mesmo assim vê mudanças no país onde nasceu. “A atitude de Pequim mudou um pouco”, continua, defendendo uma “transformação radical para o país”. “Ainda vão existir muitas lutas e muito sofrimento neste processo de mudança mas estas mudanças têm de acontecer.”

Na mesma entrevista, Ai Weiwei disse tencionar ficar “por bastante tempo” em Berlim mas não fecha a porta à China, cujas autoridades lhe garantiram que não terá mais problemas a entrar e a sair do país. O Reino Unido também terá sido alvo de ponderação pelo artista, a avaliar pela publicação que fez há uma semana no Instagram, rede social onde todos os dias publica várias fotografias. Ai Weiwei revelou uma carta enviada pela embaixada britânica a negar-lhe um visto de seis meses, alegando que o chinês não cumpre todos os requisitos. O artista deverá mesmo assim viajar até Londres em Setembro para acabar de preparar uma exposição dedicada à sua obra na Royal Academy of Arts.

Em Berlim, o artista visitou já Evidence, a exposição que inaugurou no ano passado com uma série de obras suas no Museu Martin Gropius. Como estava impedido de viajar, só agora é que foi possível fazê-lo.

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