Portugal-França para além dos preconceitos

A suspensão das Cimeiras entre a França e Portugal é um tremendo erro diplomático que urge corrigir.

É incompreensível que desde 2010 não se tenha realizado mais nenhuma Cimeira Luso-Francesa. Portugal e França têm todas as condições para ser aliados estratégicos no espaço da União Europeia e fora dela, nos vários continentes. A verdade é que, apesar do ministro dos Negócios Estrangeiros ter afirmado há cerca de um ano que a cimeira estava em preparação, nunca se chegou a realizar nenhum encontro com uma agenda bilateral ao mais alto nível.

As últimas cimeiras que se realizaram, em 2006 e depois em 2010, tiveram na agenda temas relevantíssimos e com elevado potencial para os dois países, como o ensino superior e a cooperação científica ou a energia e a inovação. Provavelmente se as cimeiras tivessem prosseguido, Portugal não vivia hoje o sobressalto de saber se o ensino e a Língua Portuguesa vão ou não ser prejudicados, em virtude da reforma da Educação que está em discussão em França. Além disso, a realização destas cimeiras teria um efeito extraordinariamente positivo na imagem que os franceses têm de Portugal e dos portugueses, que sendo já bastante boa, padece ainda de muita incompreensão e desconhecimento.

A França é um dos nossos principais parceiros comerciais e é o segundo investidor em Portugal e aquele que tem no nosso País as empresas estrangeiras mais antigas. Assistimos hoje a um importante fenómeno associado ao facto de haver muitos quadros de topo em empresas francesas que ajudam à decisão de realizarem investimentos em Portugal e não noutros países.

Culturalmente, Portugal é muito francófono nas artes e nas letras, e até nos símbolos republicanos, como se constata pelos hinos e nos bustos da República, com semelhanças flagrantes. Muitas personalidades portuguesas encontraram um porto seguro na França durante a ditadura, como por exemplo Mário Soares ou Manuel Alegre, que passaram pelo exílio em Paris. Os soldados portugueses lutaram em solo francês na I Guerra Mundial, e todos os anos lhes é prestada em La Couture e Richebourg homenagem pelo seu contributo no combate contra os exércitos alemães.

No esforço de reconstrução do pós-guerra, particularmente a partir dos anos 60, a França acolheu generosamente centenas de milhar de portugueses, que integrou e permitiu que obtivessem um estatuto económico e social que nunca encontrariam em Portugal. Portugal deve imenso à França, onde hoje, entre mononacionais, binacionais e descendentes de portugueses haverá perto de dois milhões de cidadãos. Na sociedade francesa há atualmente milhares de portugueses ou de origem portuguesa que ocupam posições de grande destaque na vida política, económica, diplomática, cultural e desportiva. Mas, obviamente, a França também deve muito aos portugueses que reconstruíram o país e se tornaram um dos pilares da atividade económica e do dinamismo da sociedade francesa. A República e a sua diversidade constroem-se também com o importante contributo dos portugueses e luso-descendentes.

Na vida política, na Assembleia Nacional, há 3 deputados de origem portuguesa e, a nível local, há mais do que 3.500 eleitos, de norte a sul e de este a oeste, levando a que, por exemplo, o Dia de Portugal e o 25 de Abril se celebrem um pouco por toda a França. Há mais de 40.000 empresários, alguns de grandes dimensões, que faturam anualmente milhões de euros e que contribuem enormemente também para a dinamização da economia nacional e dão emprego a milhares de portugueses em França. Há luso-franceses que se destacam no teatro, cinema ou nas artes. O caso do filme “A Gaiola Dourada”, de Rúben Alves, que foi um sucesso de bilheteiras, é bem um exemplo disso.

Ainda por cima, este teria sido o melhor momento para reatar as cimeiras, em virtude da descoberta relativamente recente que os franceses estão a fazer de Portugal, não apenas através de um movimento turístico sem precedentes, mas também pela escolha do nosso país como local de residência.

Mas, paradoxalmente, França e Portugal não se libertaram ainda dos preconceitos, de um lado, e dos complexos, do outro, que impede ambos de ver mais longe e de aprofundarem os intensos laços culturais, históricos e humanos que nos ligam. Ambos os países estão, por isso, a perder um imenso potencial de cooperação estratégica, o que é um verdadeiro desperdício.

O reatamento das cimeiras é um imperativo diplomático que tem uma enorme importância para a valorização da comunidade portuguesa em França, para a projeção dos dois países e para o aprofundamento dos nossos laços de amizade e de cooperação.

Ao não ter percebido a importância deste facto, o Governo demonstra assim falta de visão e de sentido estratégico na condução da sua política externa. É por isso que a suspensão das Cimeiras entre a França e Portugal é um tremendo erro diplomático que urge corrigir.

Deputado do PS

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