Nuclear e II Guerra, os fantasmas que atormentam o Japão

Há 70 anos, os EUA lançaram a primeira bomba atómica sobre Hiroxima. Mas longe de serem apenas uma história já distante, a bomba atómica e o comportamento nipónico na guerra da década de 1940 continuam no topo da actualidade política japonesa.

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Todos os anos, às 8h15 do dia 6 de Agosto, o Japão recorda a bomba atómica americana que destruiu Hiroxima e matou instantaneamente cerca de 80 mil pessoas – o número de mortos subiu para 140 mil nos dias seguintes, e foram mortes atrozes. Queimaduras de corpo inteiro, com a pele e a carne a desprenderem-se dos ossos, ou então com os efeitos insidiosos da radiação a destruir o corpo por dentro.

Mas este ano, a memória dos 183 mil “hibakusha” – as pessoas afectadas pela bomba, os que sobreviveram aos engenhos nucleares lançados em Hiroxima e, três dias depois, sobre Nagasáqui – tem um sabor diferente. Estes veteranos, que passaram por aquilo que mais nenhum ser humano experimentou, enfrentam uma nova luta, com o primeiro-ministro que quer deixar para trás o arrependimento japonês pelas agressões da II Guerra e a primeira reabertura de uma central nuclear, após a tragédia de Fukushima, em 2011.

A 10 de Agosto, está previsto que os reactores da central nuclear da empresa Kyushu Electric em Kagoshima, no Sul do Japão voltem a funcionar. Tal como a maioria dos japoneses, a maior parte dos sobreviventes de Hiroxima e Nagasáqui, que ultrapassaram a idade média de 80 anos no mês passado, está contra o retomar do nuclear civil – ainda que tentem não o confundir com o horror das armas atómicas. “Há diferenças entre o uso militar e o uso civil” da energia nuclear, sublinha à Reuters Akira Yamada, de 89 anos, secretário da organização de sobreviventes da bomba atómica de Fukushima.

Tal como Yamada, Atsushi Hoshino, hoje com 87 anos, é um duplo sobrevivente: de Hiroxima, e de Fukushima, a cidade mais afectada pelo tsunami de 11 de Março de 2011 e pelo acidente na central nuclear que se lhe seguiu. A catástrofe no Nordeste do Japão levou ao encerramento dos 54 reactores nucleares do país e à evacuação de mais de 100 mil pessoas das suas casas e desencadeou um debate nacional sobre a energia nuclear. Se antes de 2011, 65% da população era a favor da energia nuclear, agora 70% é contra.

 “Sentia-me algo desconfortável com a energia nuclear, mas não o suficiente para me opor. Ou melhor, estava numa posição em que não era possível opor-me”, contou Hoshino à Reuters. Agora é um dos refugiados de Fukushima, vive numa nas casinhas pré-fabricadas onde habitam os refugiados das catástrofes de 2011. “Acho que o risco da energia nuclear e o facto de os seres humanos não a conseguirem controlar se tornou claro. Nenhum dos reactores devia ser reactivado”, completou.

Antes do acidente de Fukushima, os sobreviventes da outra catástrofe nuclear do Japão não se levantavam contra a energia nuclear. “Infelizmente, a primeira vez que apelamos à suspensão e desmantelamento de todas as centrais nucleares foi em Julho de 2011”, disse à Al-Jazira Hiroshi Shimizu, secretário-geral de uma organização de sobreviventes de Hiroxima. “Agora, explico às crianças que as bombas atómicas e as centrais nucleares usam o mesmo material radioactivo, e que o nosso primeiro-ministro está a tentar vender esta tecnologia a países estrangeiros”, explica.

Remorsos
Akira Yamada estava a 2,5 km do centro da explosão da bomba de Hiroxima que, recorda, encheu o céu de nuvens negras e chamas vermelhas. Diz que tinha um pressentimento, desde o início, que o Japão ia perder a guerra, e disse isso ao primo, um ano mais velho, que se alistou na escola da Marinha Imperial onde treinavam os pilotos kamikaze.

“Não temos gasolina. Não temos aviões. Tudo o que posso fazer é morrer. Tu fica aqui, e trabalha para o Japão”, disse-lhe o primo. O Japão rendeu-se a 15 de Agosto e, dois meses depois, a família de Yamada soube que o primo tinha morrido na sangrenta batalha de Iwo Jima, na Primavera de 1945.

Hoje, Yamada e Hoshino são grandes críticos do primeiro-ministro Shinzo Abe, cujo programa nacionalista inclui alterar a Constituição para que o Japão possa combater ao lado de aliados – a pensar em ameaças como a China ou a Coreia do Norte. Além disso, Abe quer deixar de pedir perdão por Tóquio ter sido um agressor na II Guerra. Espera-se que no 70º aniversário do fim da guerra Abe faça um discurso em que em vez de pôr o acento tónico nos “remorsos” japoneses pelos males que fez na II Guerra, sublinhe as “contribuições pró-activas para a paz” do país, antecipa o jornal em inglês The Japan News.

Isto está já a suscitar fortes críticas, de outros políticos e da sociedade civil. E também dos sobreviventes de Hiroxima e Nagasáqui, embora os “hibakusha” não sejam uma referência política na sociedade japonesa. “O cidadão comum não os considera uma ameaça à actual agenda política de militarização e nacionalismo, porque vêem a sua organização como essencialmente humanitária”, explicou à Al-Jazira o epidemiologista Yoshitaka Tsubono, que tem trabalhado com os sobreviventes das bombas atómicas.

Yamada e Hoshino não se deixam perturabar. “Se se analisar os bombardeamentos atómicos que tiveram resultados tão desumanos, vê-se que é porque fizemos uma guerra de agressão”, afirmou o veterano Yamada à Reuters, chamando “assassinos” aos líderes do Japão da II Guerra. “Mas não me parece que Shinzo Abe reconheça de facto que a Guerra tenha sido um crime de agressão”, acrescenta, cortante, Hoshino.

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