Historiador Robert Conquest morre aos 98 anos

Publicou em 1968 aquele que é considerado o primeiro trabalho historiográfico a dar a verdadeira dimensão do terror estalinista, estimando as respectivas vítimas em 20 milhões.

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George W. Bush a condecorar Robert Conquest em 2005 Jason Reed / Reuters

O historiador e poeta britânico Robert Conquest, autor de The Great Terror: Stalin's Purge of the Thirties (1968), considerada a primeira investigação abrangente e detalhada da repressão estalinista nos anos 30, morreu esta segunda-feira em Stanford, na Califórnia, onde se radicara em 1981. Tinha 98 anos e a causa da morte terá sido uma pneumonia.

Se os chamados processos de Moscovo tinham provocado grandes discussões no Ocidente e estiveram na base de livros como O Zero e O Infinito (1940), de Arthur Koestler, ou 1984 (1949), de George Orwell, Conquest veio defender que os pseudo-julgamentos de 1936-1938, que serviram a Estaline para executar uma boa parte da elite do partido bolchevique, incluindo dirigentes como Zinoviev, Kamenev ou Bukharin, deviam ser olhados como um mero pormenor no contexto da era de terror imposta pelo ditador georgiano, que teria resultado na morte de 20 milhões de pessoas.

Muitas das informações em que Conquest se baseou tinham sido tornadas públicas durante o chamado “degelo” da era Kruchev, entre 1956 e 1964, mas recorrendo também a testemunhos de sobreviventes russos e ucranianos no exílio e em documentação oficial, como os resultados dos censos populacionais, o historiador reconstituiu o quadro geral da chamada Grande Purga, mostrando o seu grau de centralização e sugerindo que o número de vítimas poderia atingir 20 milhões de pessoas, somando-se os que foram executados, os que morreram de fome, sobretudo na Ucrânia, e os que pereceram nos campos de trabalho.

Publicado cinco anos antes de aparecer o Arquipélago Gulag, de Soljenitsin, o livro de Conquest foi traduzido em diversas línguas e tornou-se uma referência.

Em 1990, após a queda do Muro de Berlim, e quando a glasnost de Gorbachov veio facilitar a consulta dos arquivos soviéticos, Conquest publicou uma versão revista e aumentada do seu livro de 1968, a que chamou The Great Terror: A Reassessment [traduzível por O Grande Terror: Uma Reavaliação], no qual defende que as novas informações disponíveis confirmavam, no essencial, as suas intuições do final dos anos 60. O escritor inglês Kingsley Amis, grande amigo de Conquest, sugeriu mesmo que o novo livro se chamasse I Told You So, You Fucking Fools [algo como "Eu bem lhes disse, seus malditos idiotas”].

No entanto, as opiniões dividiram-se e alguns historiadores defenderam que a divulgação dos arquivos soviéticos teria vindo demonstrar que as estimativas de Conquest tinham empolado o número de vítimas do estalinismo. Outros continuam a sustentar que 20 milhões é um cálculo credível. Em 2008, no prefácio a uma edição comemorativa do 40.º aniversário da publicação original de The Great Terror, o próprio Robert Conquest observa que “os números exactos nunca serão conhecidos com absoluta certeza”, mas defende que o total de mortes “dificilmente poderá ser inferior” a um limite mínimo que situa entre os treze e quinze milhões.

Agente secreto
Nascido em 1917 em Great Malvern, na região inglesa de Worcestershire, George Conquest era filho de uma britânica e de um americano que chegara à Europa como soldado, servindo numa unidade de ambulâncias durante a I Guerra. Robert estudou no prestigiado Winchester College, e depois nas universidades de Grenoble, em França, e de Oxford, onde foi bolseiro de História Moderna e se licenciou no curso de Filosofia, Política e Economia, vocacionado para a função pública, tendo-se doutorado com uma tese sobre a história soviética.   

Nos seus tempos de estudante universitário, aproxima-se do Partido Comunista britânico, mas virá a tornar-se um anti-comunista convicto. Quando deflagra a II Guerra, integra um regimento de infantaria ligeira e, em 1942, casa-se com Joan Watkins, com quem terá dois filhos. Dois anos mais tarde é colocado na Bulgária como oficial de ligação junto das forças búlgaras que combatiam sob o comando soviético. É neste contexto que conhece Tatiana Mihailova, que virá a tornar-se a sua segunda mulher em 1951.

No final da guerra regressa a Sófia, agora enquanto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e já irremediavelmente desiludido com os ideais comunistas da juventude, após ter assistido em primeira mão ao golpe de Estado que levou ao poder o governo pró-soviético de Kimon Stoyanov.

Conquest integra uma agência secreta dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Information Research Department (IRD), criada em 1948 pelo governo trabalhista para contrariar a propaganda soviética. Um organismo pelo qual chegou a passar Guy Burgess, um dos agentes duplos pró-soviéticos do famoso grupo de Cambridge.

As funções de Conquest na IRD, que cessam em 1956, quando este decide tornar-se um escritor e historiador a tempo inteiro, implicavam recolher e divulgar informações que prejudicassem a imagem da U.R.S.S. junto de políticos, sindicalistas e jornalistas ocidentais. Um currículo que depois foi utilizado pelos seus detractores para pôr em causa a imparcialidade dos seus livros sobre o regime de Estaline 

Em 1960, o historiador inaugura uma popular colecção inglesa de livros de divulgação política com Common Sense About Russia, a que se seguirão, ainda antes da publicação de The Great Terror em 1968, outras obras dedicadas à história soviética, como The Soviet Deportation of Nationalities (1960), Power and Policy in the USSR (1961), Courage of Genius: The Pasternak Affair (1961) e Russia After Khruschev (1965).

Precedendo e acompanhando a sua carreira de historiador, Robert Conquest foi também um dos poetas do importante grupo literário inglês The Movement, que incluía nomes como Philip Larkin, Kingsley Amis, Donald Davie ou Thom Gunn. Conquest publicou oito livros de poemas entre 1956 e 2012, e escreveu ainda um livro de ensaios literários e duas obras de ficção, uma delas, The Egyptologists, a meias com Kingsley Amis.

Em 1967, Conquest foi um dos intelectuais ingleses que assinou uma carta aberta a apoiar a intervenção americana no Vietname, e ao longo das décadas de 70 e 80 continuou a publicar livros sobre a história da União Soviética. Um dos mais conhecidos é The Harvest of Sorrow, de 1986, dedicado à fome que devastou a Ucrânia em 1932 e 1933, no qual responsabiliza directamente a colectivização da agricultura ucraniana sob as ordens de Estaline como um acto planeado de genocídio.

Após um breve terceiro casamento, Conquest casou-se pela quarta vez em 1978 com uma professora de inglês, Elizabeth Neece Wingate, filha de um coronel da força aérea dos Estados Unidos, e o casal mudou-se em 1981 para a Califórnia, onde o historiador se dedicou à investigação e ao arquivismo na universidade de Standford.

Um dos aspectos que irritou a esquerda ocidental da época em The Great Terror foi a tese de Conquest de que o estalinismo era uma evolução natural do leninismo, e não uma aberração inteiramente atribuível à paranóia de Estaline. Essa ideia de Estaline como uma espécie de  versão pior de Lenine comparece também na sua obra lírica, onde se encontram poemas como este em que escreve (em tradução livre): “Havia um grande marxista chamado Lenine/ Que liquidou dois ou três milhões./ É muita gente para alguém liquidar,/ Mas por cada um que liquidou,/ O grande marxista Estaline liquidou dez”.

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