Às portas do eldorado britânico

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Calais não é Lampedusa. Não há naufrágios com centenas de mortos. Muitos dos 3000 imigrantes clandestinos que estão em Calais atravessaram o Mediterrâneo — "a mais mortífera rota do mundo" — e sobreviveram. Têm agora um objectivo preciso: chegar à Grã-Bretanha, o seu eldorado a 30 quilómetros do lado de lá do Canal da Mancha. Desde há dois meses que se registam entre 1500 e 2000 tentativas diárias de intrusão no perímetro portuário, que passou a estar vedado por barreiras metálicas com arame farpado e lâminas de barbear no topo. Foram notícia esta semana por terem invadido em massa o Eurotúnel e perturbado os turistas britânicos em férias. A mensagem que deixam é sempre a mesma: "Não pararão."

Desde 1 de Junho morreram 11 pessoas — atropeladas na auto-estrada, trucidadas por um comboio ou electrocutadas no Eurotúnel. Ao assaltar comboios e camiões, arriscam a vida. Mas as barreiras apenas os incitam a correr riscos mais altos. Tentam a sorte quase todas as noites. Querem chegar à Grã-Bretanha, que sobre eles exerce uma irresistível atracção (ver PÚBLICO de 30 de Julho).

Calculam que o crescimento económico britânico lhes garantirá trabalho se conseguirem passar as barreiras e iludir a polícia. Vêm para trabalhar. E porque, na grande maioria, falam inglês pensam que lá terão mais oportunidades. Partiram da Eritreia, do Sudão, da Etiópia, do Afeganistão ou da Síria. Não são miseráveis a fugir da fome. Muitos fugiram das perseguições e guerras e também muitos pertenciam a classes superiores nos países de origem. Sofreram, gastaram fortunas e demoraram meses ou anos para chegar às portas da Grã-Bretanha: "Não pararão."

Houve uma pequena crise diplomática entre Paris e Londres. A França diz que este é um "problema europeu", os britânicos denunciam o "egoísmo" francês. Há tiradas patrióticas nos tablóides ingleses. "Fomos capazes de impedir Hitler de entrar. Por que é que os nossos medíocres dirigentes são incapazes de parar alguns milhares de imigrantes extenuados?", interroga-se o Daily Mail. O Daily Express propõe "o envio do exército para deter a invasão dos imigrantes".

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Imigrantes chegam a Calais em 29 de Julho. Todos têm um mesmo objectivo: chegar à Grã-Bretanha. E uma mensagem: “Não pararão” PHILIPPE HUGUEN/AFP

Os italianos, e as boas condições meteorológicas, têm evitado novos naufrágios no Mediterrâneo. O número de mortos foi drasticamente reduzido. O que os europeus — os Estados, não "a Europa" — se mostram incapazes de apresentar é uma política migratória inteligente para favorecer a imigração legal. Todos precisam de imigrantes mas incrementam a imigração clandestina e, depois, erguem "muros". Há muitos estudos e propostas alternativas, que não cabe aqui analisar. Cada país tem o seu interesse, a sua opinião, a sua sensibilidade, enquanto as vagas migratórias são globais e à escala europeia.

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