O último alfarrabista de Faro fechou portas e quer doar milhares de livros

Carlos Simões, de 72 anos, viu-se forçado a encerrar a sua livraria esta semana, face a uma ordem de despejo. Os 500 mil livros que tem podem vir a ser doados

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Desempenhei um bom papel em Faro, acredita o alfarrabista Bazuki Muhammad/ Reuters

O único alfarrabista de Faro, Carlos Simões, de 72 anos, viu-se forçado a encerrar a sua livraria esta semana, face a uma ordem de despejo, o que o levou a admitir doar centenas de milhares de livros lá contidos. A livraria da rua do Alportel já não abriu na quinta-feira, depois de mais de 20 anos disponível para os clientes que procurassem livros raros, fora de impressão ou fossem apenas curiosos.

"Desempenhei um bom papel em Faro", afirma o fundador da Livraria Simões, que estabeleceu a loja em 1982 (noutro espaço de onde também foi "corrido") e que há seis anos abriu um armazém distante do centro da cidade, onde se vai manter, ao mesmo tempo que confessa antever o seu "final de actividade".

Às centenas de milhares de livros - cerca de 500 mil cópias - que diz ainda ter na livraria, assegura "não ter condições psicológicas" para as mudar de local, admitindo por isso doá-las, caso "haja uma autoridade que dê continuidade" ao seu trabalho, como a Câmara Municipal de Faro, em particular através da Biblioteca António Ramos Rosa.A Lusa procurou obter uma posição da autarquia sobre o assunto, a qual foi remetida para mais tarde.

Em relação à ordem de despejo, o livreiro relata que o senhorio com quem lidou, e nunca teve problemas, morreu há pouco tempo e que a decisão deriva desse acontecimento. O alfarrabista reconhece ter tido dificuldades em pagar a renda de mais de 700 euros desde o ano passado, altura em que começou "a dar por conta", mas diz que os proprietários já lhe asseguraram que a dívida "está saldada".

Carlos Simões garante à Lusa que vai continuar no armazém "até cessar actividade", decisão que não gostaria de tomar, mas para a qual tem vindo a ser sensibilizado pela família devido à idade. Há seis anos "já havia indícios da crise" e começou a vender livros na via pública, perto da rua de Santo António, hábito que mantém pela manhã.

Natural de Oliveira do Hospital, órfão, passou a infância e parte da adolescência em colégios da instituição Bissaya Barreto "até aos 17 ou 18 anos", tendo alimentado a paixão pelos livros desde pequeno. Simões conta que chegava a levar uma pequena lanterna para a cama, onde lia livros infantis e juvenis debaixo dos lençóis. "O livro ainda é a melhor ferramenta da Humanidade", diz, sem deixar esquecer que foi Faro a cidade onde se imprimiu o primeiro livro em Portugal, em 1487.

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