Uma educação sentimental

Depois de vencer o Curtas Vila do Conde, João Rosas segue para a competição de curtas de Locarno com Maria do Mar, uma história de educação sentimental à sombra do cinema europeu clássico

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João Rosas Daniel Rocha

A pergunta é feita a João Rosas a uma mesa em Entrecampos: Há algum cineasta português em quem se reveja, com quem partilhe uma sensibilidade? “Não estou a ver. Assim a quente... Talvez não.”

A resposta é justificada logo a seguir - “Vejo poucas curtas, não estou dentro do que a maior parte das pessoas está a fazer, não tenho um termo de comparação...”

Aos 35 anos, João Rosas acaba de vencer o concurso nacional do Curtas Vila do Conde com a sua sexta curta-metragem – mas verdadeiramente a sua segunda, se eliminarmos os seus filmes escolares -, Maria do Mar. É o único filme de um realizador português em concurso em Locarno, e o primeiro “jovem” realizador português presente no festival desde Gonçalo Tocha em 2011. Para um cineasta com poucos créditos, cuja única experiência na longa-metragem (Birth of a City, diário impressionista da sua vivência em Londres e filme de fim de curso na London Film School) data de 2009, a vitória no Curtas e a selecção para Locarno surgem como “um apoio objectivo”, uma confirmação: “há pessoas que gostam do que estou a fazer”. “Fico muito contente. Faz-me sentir valorizado no trabalho que fiz. Não valida o meu método de trabalho, porque é uma opinião subjectiva de um júri específico, mas é óbvio que é uma espécie de recompensa pelo trabalho feito. Mas o meu ego agradece que gostem do filme...”

Narrativa de “educação sentimental” sobre fundo de um grupo de jovens partilhando dias de verão, Maria do Mar retoma, num outro contexto e anos depois, actores e personagens da anterior curta do realizador, Entrecampos (2012). A referência cinéfila imediata é a Éric Rohmer e aos seus Contos das Quatro Estações, mas Rosas (que adora o cineasta francês) confessa que tal nunca lhe passou pela cabeça. Mas pode-se também pensar em François Truffaut e no ciclo de filmes que o realizador dedicou à personagem de Antoine Doinel, sempre interpretada por Jean-Pierre Léaud.

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Narrativa de “educação sentimental” sobre fundo de um grupo de jovens partilhando dias de verão

Em qualquer caso, estamos dentro do quadro de referências de Rosas, que define as suas “epifanias” cinematográficas como maioritariamente europeias, apesar de ter estudado cinema em Londres. “Robert Bresson, Rohmer, Jean Renoir, Godard, Bergman... As minhas influências são muito mais europeias, porque os anglo-americanos estão demasiado presos a regras. Aos ingleses não interessa nada para lá da narrativa, para os americanos é aquela necessidade do campo/contra-campo... Mas uma das minhas grandes epifanias foi com o Pulp Fiction, que é um filme formalmente riquíssimo em que tudo é orgânico com a história e a narrativa. ”

O cinema de Rosas passa, muito, por uma ideia de narrativa – e apesar de pouco ter a ver com ele, o cineasta, que começámos por conhecer como escritor e crítico, evoca um dos autores do cinema português. “O Pedro Costa diz que qualquer filme é uma narrativa que conta uma história, que mesmo num documentário é preciso ter a noção que estamos a construir uma narrativa.” Essa ideia de construção foi algo que foi aprendendo na sua experiência como montador (por exemplo no documentário de Susana Nobre Vida Activa): “A montagem é uma grande escola. E é uma coisa que gosto muito de fazer: trabalhas com elementos fundamentais, desde a estrutura à escala macro ao detalhe do fotograma à escala micro, e ganhas noção do tempo e dos ritmos do filme.”

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daniel rocha

Talvez por isso, Rosas diz não se rever forçosamente em muito do cinema que se faz hoje por cá. “No geral fico um bocado confuso com a produção contemporânea. Vejo muitos filmes que são a forma pela forma, o truque pelo truque... É verdade que o cinema é uma linguagem cheia de truques, mas é importante que eles não estejam visíveis. O impulso que me levou para o cinema é a capacidade que ele tem de dar a ver, de partilhar uma visão do mundo com o espectador.”

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