Tribunal Constitucional volta a 'chumbar' enriquecimento injustificado

Juízes do Palácio Ratton rejeitaram por unanimidade as normas que o Presidente da República pedira para serem analisadas. Argumentos foram os mesmos usados para a anterior versão do diploma, em 2012. O PSD anuncia voltar ao tema na próxima legislatura.

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O Nós, Cidadãos! confirma que o dossier será entregue esta tarde no Palácio Ratton Carla Rosado

O Tribunal Constitucional chumbou nesta segunda-feira as duas normas da nova lei do enriquecimento injustificado que o Presidente da República enviara para fiscalização no início do mês: a primeira que definia o crime de forma geral e a segunda relativa ao património acumulado durante o exercício de cargos políticos que fosse incompatível com os seus rendimentos.

Em comunicado, o gabinete do presidente é taxativo: “O Tribunal Constitucional entendeu que a incriminação do ‘enriquecimento injustificado’, tal como feita pelo decreto da Assembleia, não só não cumpre as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal (artigo 29.º, n.º 1 da CRP) como, ao tornar impossível divisar qual seja o bem jurídico digno de tutela penal que justifica a incriminação, viola o princípio da necessidade de pena (artigo 18.º, n.º 2 da CRP)." E acrescenta: "Considerou-se ainda que, logo na formulação do tipo criminal e pelo modo como ele foi construído, se contrariou o princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP), entendido na sua dimensão substantiva”.

Foi este conjunto de razões que levaram o TC a pronunciar-se, de forma unânime, pela inconstitucionalidade, explicitou Joaquim de Sousa Ribeiro, frisando que as duas normas foram sujeitas ao mesmo veredicto.

Aliás, foram estes os mesmos artigos utilizados na decisão do TC em Abril de 2012. Então, o tribunal entendeu que eram violados os princípios constitucionais da presunção de inocência e da determinabilidade do tipo legal. Em relação a este último, o presidente do tribunal esclareceu que "tem que decorrer de uma incriminação qual é a conduta que é claramente proibida ou qual é a conduta que é ordenada, aquilo com que o agente se deve conformar". O mesmo tipo de argumentos agora usado no acórdão.

A 2 de Julho, o Presidente da República tinha pedido a fiscalização da norma constante do n.º 1 do artigo 1.º, na parte em que adita o artigo 335.º-A ao Código Penal: "Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, obtiver um acréscimo patrimonial ou fruir continuadamente de um património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados é punido com pena de prisão até três anos", se se tratar de um valor acima de 350 salários mínimos (176 mil euros), pena que pode ser agravada até cinco anos se a discrepância for superior a 500 salários mínimos (252 mil euros).

E requereu também a fiscalização da norma constante do artigo 2.º, na parte em que adita o artigo 27.º-A à Lei n.º 34/87, de 16 de Julho. "O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou colectiva, obtiver um acréscimo patrimonial ou fruir continuadamente de um património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou a declarar, é punido com pena de prisão de um a cinco anos", pena que pode subir até um máximo de oito anos se a discrepância for superior a 350 salários mínimos.

"Numa área com a sensibilidade do direito penal, onde estão em risco valores máximos da ordem jurídica num Estado de direito como a liberdade, não pode subsistir dúvida sobre a incriminação de condutas, tanto mais que a matéria em causa foi recentemente apreciada pelo Tribunal Constitucional tendo, então, merecido uma pronúncia de inconstitucionalidade", argumentava Cavaco Silva numa nota disponível no site da Presidência.

O projecto de lei da maioria parlamentar para a criminalização do enriquecimento injustificado foi aprovado em votação final global a 29 de Maio, apenas com os votos das bancadas social-democrata e democrata-cristã. Toda a oposição votou contra. Na altura, PS, PCP e BE insistiram que o diploma continua a apresentar inconstitucionalidades. O diploma da maioria segue uma via penal, criando o crime de enriquecimento injustificado aplicável a todos os cidadãos.

Depois de ter começado por usar a expressão “enriquecimento ilícito” no seu projecto, a maioria acabou por a substituir por “enriquecimento injustificado” uma semana antes da aprovação final. Porque a primeira foi considerada indicativa de uma proveniência ilícita dos rendimentos e, logo por antecipação, uma presunção de culpa.

PSD promete insistir
A deputada social-democrata Teresa Leal Coelho prometeu  voltar a apresentar iniciativas de criminalização do enriquecimento injustificado. "Independentemente do resultado das eleições - que creio que vamos ganhar -, apresentaremos um novo projeto de lei com vista à criminalização do enriquecimento ilícito", disse à Lusa a vice-presidente da comissão política nacional do PSD, acrescentando que "o país dificilmente entenderá, perante uma desproporção manifesta, por que não se pode perguntar de onde vem um determinado património".

"O que posso garantir é que, na próxima legislatura, nós continuaremos a trabalhar porque a criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado é para nós um meio muito necessário na ordem jurídica portuguesa no combate à corrupção", assegurou a parlamentar, destacando que "o combate à corrupção foi e continuará a ser uma prioridade" e, daí, a necessidade de "dotar a ordem jurídica portuguesa dos meios adequadas a esse combate".

Leal Coelho ressalvou ainda não conhecer o novo acórdão e seus fundamentos, salientando que houve a preocupação, por parte das bancadas da maioria, de introduzir um "conjunto de salvaguardas e de garantias, conforme o quadro introduzido pelo acórdão de 2012".

Também o primeiro-ministro e líder do PSD, Pedro Passos Coelho, lamentou que o TC tivesse declarado inconstitucionais duas normas do diploma sobre criminalização do enriquecimento injustificado. "Não conheço ainda o acórdão, a única coisa que posso dizer é que tenho pena que não tenha sido possível das várias vezes que o parlamento legislou nessa matéria chegar a uma solução que possa realmente ser uma base efectiva de ter legalmente um instrumento mais forte ao serviço do combate à corrupção", salientou.

Já o PS considerou que o chumbo revela a "incompetência" ou "a demagogia" da maioria PSD/CDS e representou uma "afronta" à Constituição, como disse à Lusa o deputado Filipe Neto Brandão. "Quem vê rejeitado por unanimidade, pela segunda vez, um projecto que elabora, tem de ter consciência da sua incompetência - e isto na versão mais benévola. A menos que o propósito da maioria PSD/CDS não fosse na realidade combater o enriquecimento injustificado, mas tão só fingir que o pretende combater. Portanto, entre o retrato de incompetente ou demagogo, o retrato dos fautores desta lei duplamente reprovada resulta claramente negativo", declarou.

Filipe Neto Brandão afirmou ainda que o diploma, do qual só se demarcou o deputado social-democrata Paulo Mota Pinto, "merece veemente censura, porque se traduz numa afronta à própria Constituição da República". Na sua declaração de voto no Parlamento, o também ex-juíz do TC Paulo Mota Pinto afirmou discordar das mais recentes iniciativas para criminalizar o enriquecimento injustificado.

Por seu lado, a porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, afirmou  que o diploma da criminalização do enriquecimento injustificado chumbado pelo Tribunal Constitucional (TC), foi apenas uma manobra da maioria PSD/CDS "para não mudar nada".

Catarina Martins acusou ainda a maioria no Governo de, durante quatro anos, ter feito propaganda com o argumento de que tinha acabado a impunidade, usando soluções técnicas [para a lei do enriquecimento injustificado] que sabia que não podiam ir para a frente, ao mesmo tempo que recusava as propostas, "viáveis", do BE, para a lei do enriquecimento injustificado.

 


  


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