Adeus, até não sei quando

Uma meca da literatura, a centenária livraria Lello (herdeira de outra livraria famosa da cidade do Porto, a Chardron) passa a exigir três euros para ser visitada.

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No dia da inauguração, a 13 de Janeiro de 1906, a Livraria Lello encheu-se de escritores, jornalistas e figuras da política, para saudar o nascimento do que foi classificado como um “templo” da literatura, no coração da cidade do Porto. Os jornais fizeram a cobertura de todos os que se acotovelavam para conhecer o novo espaço, desenhado pelo engenheiro que se diz ter introduzido o cimento armado nas construções civis em Portugal, Xavier Esteves, casa construída para os livros e herdeira de uma outra livraria famosa na cidade, a Chardron. Mais de cem anos depois, as pessoas que se acotovelam na Lello não são, na sua maioria, potenciais clientes em busca das últimas novidades literárias. São turistas, que se encaminham para ali guiados pela fama que o edifício conquistou nos últimos anos. E, por causa disso, desde há uns dias que para entrar na Lello é preciso pagar.

Já tinha escrito aqui que gosto de livrarias. Gosto de entrar, vasculhar, pegar num livro de que nunca ouvi falar porque algo nele me chama a atenção. Faço isso várias vezes. Há dias em que saio sem comprar nada mas são mais os dias em que compro alguma coisa. Na Lello, como noutro lado qualquer. Não sou cliente assídua da livraria instalada na Rua das Carmelitas, naquele edifício de fachada neogótica e com um interior deslumbrante, mas ia lá para ver novidades ou à procura de um livro específico. Houve vezes em que encontrei o que procurava, outras não.

Gosto de poder entrar em livrarias e sair de mãos vazias se me apetecer (embora prefira sair com elas cheias). Não gosto é de saber que, agora, para entrar na Lello, tenho de pagar. A julgar pelos comentários que circularam na Internet ao anúncio do novo sistema de acesso, devo ser das únicas pessoas que se importam por ter de pagar para entrar ali, mesmo sendo o valor da entrada descontável na compra de um livro. Este sentido de obrigação é que me incomoda.

Percebo que deve ser frustrante trabalhar num local que é constantemente invadido por turistas, quando o que queremos é sossego para atender os clientes. E confesso que não tenho uma solução milagrosa para acabar com isso. Mas também não acredito que cobrar entradas vá resolver este “problema”. A maioria dos turistas não se vai importar de pagar três euros para poder entrar na livraria que a Lonely Planet, o Guardian, a Time ou a Travel & Leisure elegeram como uma das mais bonitas do mundo. E brasileiros, ingleses, franceses e espanhóis que cheguem ao Porto vão resistir a entrar naquele local encantado de vitrais e madeiras trabalhadas, com a fabulosa escadaria vermelha que inspirou o ambiente da escola de Harry Potter só porque têm de pagar três euros, o preço de um café para muitos deles? Eu, como visitante numa cidade desconhecida, sobretudo num país estrangeiro, não resistiria a toda essa sedução descrita em revistas e guias de viagem e pagaria os três euros de boa vontade.

A verdade é que não podemos alegrar-nos por sermos distinguidos internacionalmente pela nossa beleza e encanto e depois esperarmos que os turistas não venham. Não podemos ficar contentes por a nossa livraria ser utilizada num cenário de um filme brasileiro, como aconteceu com O Xangô de Baker Street, criado a partir de uma história de Jô Soares, e depois cruzarmos os dedos na expectativa de que não nos venham incomodar no nosso dia de trabalho.

A Lello, felizmente para ela e para nós que amamos as coisas belas que o Porto tem, vai continuar a ser procurada por milhares de turistas anualmente. E vai, certamente, ter mais dinheiro nos cofres para investir no que precisar e continuar a vender livros durante muitos anos. E ainda bem, porque acho que ninguém quer imaginar um Porto sem a Lello. Os únicos visitantes que poderão desaparecer são os clientes esporádicos como eu, que ali entravam porque gostam de entrar em livrarias e perder-se nos títulos que saltam das prateleiras, sem se sentirem obrigados a comprar.

 

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