Cinco ideias sobre o Austrália-África do Sul

A primeira jornada do Rugby Championship mostrou que os Springboks estão a tentar alargar a base de jogadores seleccionáveis

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1 - Mais risco – calculado – na estratégia de “saída”

Do ponto de vista puramente táctico, foi interessante confirmar uma tendência que vem já de 2014 e foi adoptada pela generalidade das equipas no Super Rugby 2015: nos 22 metros defensivos, as duas equipas preferiram criar uma fase, por vezes duas, antes de pontapear a bola. Com isto, pretendem adiantar o ponta aberto defensivo, que deixa de poder defender o espaço profundo, e obriga à deslocação do defesa para as suas costas. O ponta fechado, o abertura ou o 8 defensivos ocupam o espaço profundo vertical, cobrindo a deslocação lateral do 15. Desta forma, retira-se um homem, ou até dois, ao contra-ataque e isola-se o defesa na recepção do pontapé, perante a pressão do ponta e do centro, com mais hipóteses de recuperação da bola. Neste jogo, nenhuma das equipas foi exuberante nos resultados, mas a África do Sul esteve pior na pressão (“kick chase”). Folau esteve imperial no ar mas foi invariavelmente pressionado por um homem apenas. Mas conseguiram ambas, na maioria das vezes, passar a jogar na zona do meio-campo, com linhas defensivas bem montadas.

 

2 - Meyer com os olhos no Mundial

A imprensa sul-africana foi rápida a notar que a derrota começou a desenhar-se com a substituição de toda a primeira linha – e as formações ordenadas perdidas que se lhe seguiram – quando faltavam jogar 30 minutos ainda. Até então, os Springboks tinham dominado o jogo e no marcador os Wallabies perdiam por 13. Justificações “ad hoc” à parte, a verdade é que Meyer lançou gente sem experiência ou ritmo de jogo, tentando alargar a base de jogadores seleccionáveis que se apresenta estranhamente magra. De Jager, que substituiu o lesionado Matfield, quase não jogou no Super Rugby. De Villiers e Vermuelen são baixas de enorme peso e Fourie Du Preez faz falta, porque nem Cobus Reinach nem Ruan Pienaar têm mostrado rendimento na posição chave de formação. Pienaar, um veterano de 80 selecções, com um pé prodigioso, continua a revelar uma lentidão que não permite que Pollard jogue como gosta, mais próximo da linha de vantagem. De qualquer modo, vemos neste campeonato um Heineke Meyer muito mais interessado em perceber com quem pode contar nos jogos a doer.

 

3 - De Allende a prazo, Kriel de pedra e cal

Damien De Allende, que tem jogado a primeiro centro no lugar do capitão De Villiers, liderou as estatísticas do Super Rugby em “tackle breaks” e tem uma capacidade invulgar para “furar” defesas e ganhar metros na colisão. Mas em termos de distribuição revelou deficiências – basta lembrar uma oportunidade de ensaio desperdiçada porque não passou a JP Pietersen – e na defesa é claramente o elo mais fraco, com uma tendência muito sul-africana para disparar e criar as chamadas “dog legs” (espaços na linha defensiva criados pela subida precoce de um dos elementos). Não ajuda que o miolo defensivo sul-africano tenha escolhido um alinhamento bastante largo, receoso da tendência australiana para procurar os canais exteriores nas primeiras fases de jogo. Esta táctica acaba por sublinhar a tendência de De Allende para subir e “fugir” demasiado cedo. Foi o homem com mais placagens falhadas no jogo, e um dos que mais falha no Super Rugby também. A maioria das vezes por ser ultrapassado no ombro interior, porque em defesa olha apenas para a bola. Assim sendo, e sem prejuízo dos profusos elogios de Mayer, o presente passará por De Villiers, sendo De Allende o futuro. Já Kriel, por ter qualidades que mais nenhum jogador sul-africano apresenta, deverá vestir a camisola 13 no Mundial. É que numa equipa que teima em apresentar menos de cinco quebras de linha por jogo, homens com factor X fazem ainda mais falta.

 

4 - Hooper e Pocock: despertar na rivalidade

Hooper terá feito um dos melhores jogos pelos Wallabies nos últimos dois anos. Fez 12 placagens e pelo menos quatro foram ofensivas, com duas a gerarem recuperação de bola por terceiros e uma a forçar o toque de meta de Burguer. Por outro lado, Cheika usa Hooper como um elemento que liga os dois planos de ataque, podendo ser portador ou passador de bola (basta ver que foi dos mais passou a oval), atraindo defesas e libertando espaços. É assim que Hooper tem também relevância atacante nos Waratahs. A questão é que Hooper não tem, nem nunca terá, a influência de Pocock na disputa de bola no chão, onde este é inamovível, graças à sua força e baixo centro de gravidade. E no rugby actual, cada bola recuperada vale ouro – neste particular, vale mais para os Wallabies que para os Springboks, que teimam em chutar bolas recuperadas ou “morrer” com a posse nas zonas mais congestionadas. Qual dos dois será titular? É difícil de dizer, e provavelmente Cheika utilizará os dois alternadamente, juntando-os em fases adiantadas do jogo. O que não é previsível é que Fardy perca o lugar, num alinhamento que precisa de variedade para funcionar.

 

5 - Nova Zelândia ainda à frente

Tive apenas oportunidade de ver o resumo alargado do jogo entre a Nova Zelândia e a Argentina. Contudo, ninguém fica indiferente a uma vitória folgada, obtida com tanta gente ilustre de fora. Os All Black” podem apresentar três equipas diferentes, e todas elas seriam candidatas ao título mundial. Nenhuma outra equipa pode sequer reclamar condição semelhante. Quem viu o jogo entre os Maori All Blacks e os Barbarians neozelandeses, disputado horas antes do Austrália-África do Sul, terá uma noção exacta do que aqui se afirma, resultado de uma política de aposta na exposição do maior número de jogadores possível a ambientes de competição de qualidade, prosseguida pela federação Neozelandesa. A verdade é que os All Blacks estão a anos-luz da concorrência, e nem a miserável prestação na defesa do “maul” argentino deverá dar demasiadas esperanças a Meyer este fim-de-semana. Os All Blacks são a melhor equipa do mundo, por larga margem. Contudo, julgo também que os Springboks, com o “pack” avançado completo, são a equipa com mais hipóteses de fazer frente aos homens de negro, se – e apenas se – conseguirem registar um elevado número de recuperações de bola, aproveitando para contra-atacar com intenção de colocação da bola no espaço. Como fizeram o ano passado, aquando da última derrota dos comandados de Steve Hansen. 

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