A médica a quem mais de 30 mil pessoas devem a visão

Há 20 anos que a oftalmologista Helena Ndume mobiliza voluntários para a ajudarem a devolver a visão aos que menos têm no seu país, a Namíbia. Sexta-feira recebe em Nova Iorque o Prémio Nelson Mandela que, na sua primeira edição, homenageia ainda Jorge Sampaio.

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“Se damos, recebemos de volta", diz Helena Ndume DR

Das 39 milhões de pessoas cegas do mundo, 90% vivem em países em desenvolvimento e 80% destes casos podiam ter sido evitados ou são tratáveis – quase metade das pessoas que não vêem têm cataratas. “Hoje, um país não se pode considerar avançado se ainda tem pessoas cegas por causa de cataratas”, disse Helena Ndume numa entrevista à CNN em 2011.

Nascida na Namíbia, então ocupada pela África do Sul, Ndume foi forçada a viver no exílio a partir dos 15 anos, tendo passado pela Zâmbia, Gâmbia e Angola. Em miúda, queria ser designer de moda, mas as circunstâncias levaram-na a escolher outro caminho. “Numa Namíbia independente vamos precisar de médicos, não de designers de moda”, disse-lhe então Nahas Angula, que haveria de ser primeiro-ministro da Namíbia entre 2005 e 2012.

Ela assim fez. Em 1989, formou-se em Medicina na universidade alemã de Leipzig. Regressou à Namíbia para começar a trabalhar, mas depressa percebeu que faziam falta oftalmologistas. Fez a especialidade de novo em Leipzig e nunca mais parou de trabalhar para devolver a visão aos outros – é por isso que se tornou, juntamente com Jorge Sampaio, na primeira laureada do Prémio Nelson Rolihlahla Mandela das Nações Unidas, que esta sexta-feira vai ser entregue em Nova Iorque.

Chefe de Oftalmologia no Hospital Central de Windhoek, a capital da Namíbia, Ndume integra há 20 anos a Surgical Eye Expeditions (SEE), uma organização não-governamental, criada em 1974 na Califórnia, dedicada a tratar a cegueira. A partir daí, Ndume conseguiu que voluntários da SEE e de outras ONG internacionais passassem a viajar todos os anos até à Namíbia, onde ela organiza clínicas temporárias para tratar doenças relacionadas com a visão por todo o país.

É aqui que se oferecem cirurgias aos que não têm como pagar por um procedimento simples, que muitas vezes não demora mais de 30 minutos e custa menos de cem euros. Só na Namíbia, a médica já ajudou 30 mil pessoas a recuperarem a visão com cirurgias e procedimentos gratuitos. A maioria sofria de cataratas ou miopia. Com o sucesso alcançado, já tem planos para expandir o projecto para Angola.

“Ndume é uma mulher extraordinária”, diz Mike Colvart, da SEE. “É incansável, é uma médica incrível, muito capaz, que consegue motivar as pessoas e tem conseguido que o Governo da Namíbia a apoie a ela e aos colegas”, descreveu à CNN. “Ela não pára de trabalhar, 12 horas por dia, sete dias por semana.”

Este Verão, a cirurgiã vai colaborar em três programas com a SEE - um na República Democrática do Congo e os dois habituais na Namíbia. Segundo a ONG, 700 pessoas “deverão recuperar a visão e a sua independência ao longo dessas três semanas”.

Para além do trabalho como médica, Ndume foi vice-presidente da Cruz Vermelha no seu país entre 2001 e 2007. Em Windhoek, lê-se no site da SEE, “muitos dos seus pacientes chamam-lhe ‘a médica milagre da Namíbia’”.

Nunca se arrependeu de ter abandonado o sonho de adolescente. “Não há dinheiro no mundo capaz de pagar a alegria de alguém que foi cego durante tantos anos e que, de repente, recupera a visão”, diz. “Estamos a mudar a vida de tantas pessoas, quando alguém pode ver torna-se produtivo para o país, pode tomar conta dos seus netos, contribuir para a economia, é muito, muito bom.”

“Se damos, recebemos de volta, e receber é ver as pessoas a irem para casa com os rostos iluminados, satisfeitos", descreve. "Primeiro, chegam deprimidas e depois vão-se embora a ver de novo, isso é tão recompensador. Faz com que queiramos não parar de o fazer.”

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