A simplicidade de uma checklist para a saúde

A crise económica por que estamos a passar veio chamar a atenção para os custos em saúde. Ao contrário daquilo que acontece hoje, este tema foi tradicionalmente relegado para a esfera de actuação dos administradores hospitalares.

Atul Gawande, médico e jornalista norte-americano, sintetiza a causa deste problema: a complexidade resultante do progresso científico. Para chegar a esta conclusão recua algumas gerações, a uma época em que médico escritor Lewis Thomas escreveu o livro The Youngest Science. O que os médicos tentavam, nessa altura, era fazer um diagnóstico para que pudessem depois fazer qualquer coisa.
Foi nessa altura que nasceu um modelo de medicina: os médicos deveriam ser bons no que faziam. Era uma vida de artesão. O resultado foi uma ideia de medicina à volta de um conjunto de valores assente naquilo em que os médicos eram bons: ousadia, coragem, independência e autossuficiência.

Hoje o mundo é totalmente diferente. Descobrimos agora tratamentos praticamente para todas as dezenas de milhares de doenças. Não podemos curá-las todas. Não podemos garantir que todos viverão uma vida longa e saudável. Mas podemos torná-la possível para uma maioria.

No ano de 1970, eram precisos pouco mais de dois clínicos a tempo inteiro. Isto quer dizer que o trabalho era basicamente de enfermagem. Nos finais do século XX, havia mais de 15 profissionais para o mesmo paciente hospitalar entre especialistas, fisioterapeutas e enfermeiros.

Agora os médicos são todos especialistas, mesmo os clínicos de medicina geral e familiar. Neste contexto, cada um tem apenas uma parte do tratamento.

Mas, quando olhamos para os exemplos dos modelos que estão a obter os melhores resultados com os menores custos, descobrimos que os que têm maior êxito são os que mais se assemelham sistemas assentes na excelência.

A medicina tem andado obcecada com os componentes. Queremos os melhores medicamentos, as melhores tecnologias, os melhores especialistas, mas não pensamos muito sobre como é que tudo se reúne. Esta é uma péssima estratégia de planeamento.

Porém, um sistema necessita de certas condições para funcionar:

A capacidade de reconhecer o sucesso e a capacidade de reconhecer o fracasso. Um “especialista”, não consegue ver muito bem o resultado global final.

Encontrar soluções. A tática habitual para enfrentar este problema é responder com mais formação, dar maior especialização às pessoas ou introduzir mais tecnologia. Contudo, vemos níveis excessivos de morte e de incapacidades que podiam ser evitados. É necessário olhar para os exemplos das actividades que representam maior risco e especialização fora da medicina. Estas indústrias têm tecnologia, têm formação, e têm uma outra coisa: uma coisa tão simples como checklists. Mas poder-se-á elaborar uma checklist em saúde? Uma checklist pressupõe pensar em coisas com muito pormenor. Precisamos de identificar os momentos num processo em que podemos detetar um problema antes que seja um perigo. Uma checklist da aviação, por exemplo, não é uma receita para pilotar um avião, é uma chamada de atenção para as coisas cruciais que ficam esquecidas ou perdidas se não forem verificadas.

E isso leva-nos à terceira condição: a capacidade de implementação de conseguir que colegas, ao longo de toda a cadeia, utilizem efetivamente esta checklist.

Fazer com que os sistemas funcionem é tarefa da comunicada terapêutica, iluminada pela reflexão Bioética. Mais, fazer com que os sistemas funcionem, tanto na saúde como em outras áreas, é a grande tarefa da nossa geração. Em todos os campos, o conhecimento disparou, mas trouxe consigo complexidade, trazendo consigo especialização. Chegámos a uma altura em que não temos alternativa senão reconhecer, por mais individualistas que queiramos ser, que a complexidade exige o sucesso do grupo.

Docente do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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