A ministra e a reforma dos juízes

Quando perguntaram à ministra da Justiça quem seria o próximo Procurador-Geral da República, a resposta foi muito simples. Alguém que amasse o Ministério Público. Indigitou a magistrada Joana Marques Vidal. E acertou.

Acreditámos que a profissão de fé da ministra a levasse a amar o Ministério Público. A magistratura judicial. A Justiça. A curto espaço de tempo, verificou-se que a ministra da Justiça era só mais uma a ocupar o lugar no Terreiro do Paço. A pobreza do seu consulado veio rápido ao de cima.

Nas questões relevantes e imprescindíveis à Administração da Justiça, foi um ministério a rondar a indigência. Como escreveu Francisco Louçã no PÚBLICO de 13 de Junho, a regra é esta: “Esta Justiça mete medo”. É esta Justiça que a ministra nos deixa. O princípio é o que assenta no fariseismo dos políticos: à política o que é da política, à justiça o que é da justiça. Como se a Justiça não fora matéria política. Dizendo respeito à cidade, a todo o cidadão, devia ser o baluarte dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Preocupação constante do poder político.

Não se cansou de ter sempre na ponta da língua um credo: “A impunidade acabou”. Mas não mexeu na regulamentação do segredo de Justiça, como prometeu. Apesar da auditoria da Procuradoria-Geral da República. A criminalização do enriquecimento sem causa, sua grande batalha, pairou quatro anos nos gabinetes. Nem nos prazos exagerados da prisão preventiva. Os tribunais que aguentassem com as consequências de uma deficiente legislação.

Contra tudo e todos, quis instalar uma lista de abusadores sexuais a distribuir por entidades privadas, com todos os riscos que isso comportaria e que os seus próprios correligionários reprovaram no Parlamento. Sem respeitar a Directiva do Parlamento e Comissão Europeia sobre a matéria.

O novo mapa judiciário, em que tantas esperanças se depositaram, foi um fracasso. Por incompetência sua e do seu ministério. Com desculpas públicas e hipócritas. Nunca um ministro da Justiça cometeu a façanha de fazer parar o sistema judicial por meses. Assumiu a “responsabilidade política”. A acrescer à perseguição criminal de funcionários subalternos. Ficou tranquilamente no lugar.

O novo mapa implicava ajustamentos aos estatutos de ambas as magistraturas. Se não mesmo a sua revisão alargada em função da nova organização judiciária. Andou anos a tratar do tema. Ou a fazer que dele tratava. Agora, à revelia das magistraturas, faz publicar um projecto de estatutos. Sabe bem que nunca serão aprovados na Assembleia da República em fim de legislatura.

A propósito, conseguiu entrar em conflito com toda a gente. Conselhos Superiores das Magistraturas, Associação Sindical, Sindicato, Magistrados. Autoritária e sabichona qual aluno marrão, insinuou maldosamente que as magistraturas apenas perseguiam benefícios remuneratórios.

O que retrata a política deste ministério? Em alguns pontos, tais projectos afrontam as magistraturas, sem necessidade e base algumas. A intromissão na independência dos tribunais e separação dos poderes do Estado. Procuram-se as razões e não se encontram. Há um ponto que, acima de tudo, constitui uma enormidade. Como sabido, os magistrados reformam-se voluntariamente atingida certa idade e certo tempo de serviço na profissão. Reformam-se nos termos de qualquer funcionário do Estado. Reformam-se obrigatoriamente quando atingem 70 anos. A ministra quer mais. Obrigá-los a trabalhar mesmo até aos 70. Levar os magistrados à espinha. A ministra, como o Governo que integra, haveria de demonstar o desprezo que alimenta pelos "mais velhos". Para a ministra, os magistrados não têm direito à reforma enquanto vivos. Só corcovados e de pés para a cova.

De saída, a ministra bem podia ter cuidado da matéria com mais dignidade. Não necessitava de deixar mais esta nota do seu profundo “amor” pela justiça. Paula Teixeira da Cruz não deixa saudades.

Procurador-geral adjunto

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