Obiang continua a perseguir opositores e dissolveu o poder judicial

Human Rights Watch diz que o Presidente da Guiné Equatorial doou quantidades consideráveis de dinheiro a organizações em troca de respeitabilidade internacional.

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REUTERS/Thomas Mukoya

A entrada da antiga colónia espanhola na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é referida no relatório da Human Rights Watch de 2015 sobre a Guiné Equatorial, no capítulo onde esta organização expõe a forma como “o Presidente Obiang Nguema doou quantidades consideráveis de dinheiro a organizações internacionais, contratou empresas de relações públicas, viajou frequentemente para visitar líderes noutros países, e acolheu eventos internacionais, de forma a melhorar a sua imagem”, no ano passado.

“Os seus esforços deram frutos”, conclui o documento, exemplificando não só com a aceitação do país por todos os membros da CPLP, incluindo Portugal, mas também com as visitas de altos dignitários ao país, no ano passado, incluindo a do secretário-geral das Nações Unidas Ban Ki-moon, quando se deslocou ao país para a Cimeira da União Africana.

Também em visita ao país esteve, por duas vezes, a directora-geral da UNESCO Irina Bokova, uma das quais para a cerimónia de entrega do prémio, atribuído por esta agência das Nações Unidas, mas financiado pelo Presidente Obiang. O prémio foi lançado apesar da controvérsia gerada por uma votação do órgão executivo que aprovou o prémio (com os votos a favor de países árabes, Venezuela, Cuba e Brasil entre outros) e das dúvidas suscitadas pela legitimidade do financiamento do prémio devido às investigações por corrupção de membros da família Obiang, incluindo um dos filhos do Presidente, Teodorín Obiang, em França, Espanha e nos Estados Unidos. O prémio ficou por isso não com o nome do Presidente, por não poder ser financiado pela sua fundação, mas como Prémio Internacional para a Investigação em Ciências da Vida UNESCO-Guiné Equatorial, financiado por fundos públicos.

Foi em Março de 2012, quando um dos políticos da oposição e activistas de direitos humanos mais proeminentes do país, o médico Wenceslao Mansogo, estava preso e a sua clínica tinha sido encerrada por ordem governamental.

Na altura, activistas qualificaram de “piada cruel” a aprovação do prémio, que o Presidente Obiang apresentou para, segundo ele, contribuir para a melhoria da “qualidade da vida humana”. Nos hospitais do seu país, se um doente precisar de uma injecção tem de pagar a seringa, e se precisar de ficar internado, paga os lençóis, relata Ana Lúcia Sá, investigadora no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).

As mortes injustificadas nos hospitais e nas prisões, onde a tortura e o isolamento continuam a ser métodos recorrentes, a não legalização de partidos políticos ou o não regresso dos exilados por falta de condições, são indicadores de que pouco ou nada mudou no campo dos direitos humanos, no último ano, mesmo se há conhecimento, como houve no passado, de execuções sumárias.  

Activistas e oposição vivem numa espécie de prisão: porque ficam detidos de forma arbitrária, porque tentam manifestar-se ou são acusados de crimes de atentado à segurança, porque estão confinados em aldeias longe de tudo, como é o caso de dois opositores da Força Democrática Republicana, ou porque estão exilados, ainda sem possibilidade de regressar ao país. A HRW lembra que Obiang marcou para Novembro do ano passado um grande encontro nacional de diálogo que pela primeira vez incluiria os líderes políticos. A ideia fracassou quando os opositores exigiram que também os líderes políticos presos participassem no encontro. O Governo recusou.

Obiang sempre controlou a justiça. Este ano, por decreto presidencial de 20 Maio, dissolveu o poder judicial. “Obiang arrogou-se o poder judicial para proteger as empresas que dizia serem vítimas de decisões abusivas dos agentes da justiça que actuariam em nome individual”, explica Ana Lúcia Sá.

Além disso, diz, mantêm-se as situações de usurpação de terras para pessoas do regime com a justificação de serem usadas para a construção de habitação social ou para propriedade privada de figuras ligadas ao regime – “uma prática muito comum”. E os maus tratos contra pessoas de minorias étnicas continuam a ser frequentes.

Tudo isto acontece sem que a maioria das pessoas dentro ou fora do país tenha conhecimento. “A falta de liberdade de imprensa é total. A imprensa privada é totalmente censurada”, diz por telefone Carlos Martín, porta-voz para a África Subsariana da Amnistia Internacional em Espanha, que acrescenta: “Tudo é controlado pelas autoridades.”

A pouca informação independente circula em blogues de opositores ou activistas que denunciam a situação. Mas a sua voz pouco se ouve fora da Guiné Equatorial. E dentro, são lidos por muito poucos. Apenas 13% da população terá acesso à Internet, segundo o PNUD. Mas mesmo em casas onde pode existir Internet, não é certo um acesso regular da electricidade. 

Nos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) não existem – porque não foram disponibilizados – indicadores sobre pobreza extrema, taxa da população em privação ou a viver com menos de 1,25 dólares por dia. Também não estão expostos os indicadores sobre a discrepância de rendimento entre ricos e pobres no país.

Há porém registo de que 35% das crianças (com menos de 5 anos) sofreram de malnutrição entre 2008 e 2012. Também de acordo com o mais recente relatório do PNUD (2014), só 15 países tiveram taxas de mortalidade infantil (até aos 5 anos) acima das 100 por mil nascimentos registadas na Guiné Equatorial, em 2013 – (entre eles Angola e Guiné-Bissau).

Nos últimos anos, e apesar das receitas do petróleo, a Guiné Equatorial desceu de posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano. Da 136ª posição (em 2012), num total de 187 países, passou para a 144ª. “Para as empresas estrangeiras, o país é muito rico, o terceiro produtor de petróleo da África Subsariana, mas para as organizações de direitos humanos, e para a população, é um país muito pobre”, conclui Carlos Martín.

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