"Traidores africanos", gritou ex-ditador do Chade no seu julgamento

Hissene Habré, acusado da morte e desaparecimento de 40 mil pessoas, está a ser julgado no Senegal, num tribunal criado pela União Africana para responsabilizar líderes do continente. Processo é considerado um marco na justiça africana.

Foto
Hissene Habré foi retirado da sala do tribunal SEYLLOU/AFP

Hissene Habré, o antigo ditador do Chade que começou a ser julgado esta segunda-feira por crimes de guerra num tribunal especial em Dakar, no Senegal, acusou os seus acusadores de estarem a trair um dos seus."Traidores africanos", gritou mal entrou na sala do tribunal, de onde foi retirado. O processo, histórico, começou então sem o réu, acusado também de crimes contra a humanidade.

"Abaixo os imperialistas. Isto é uma farsa orquestrada pelos sujos políticos senegaleses. Traidores africanos. Valetes da América", disse Hissene Habré, que recusou regressar à sala.

O julgamento do antigo Presidente é um momento histórico. Pela primeira vez, um antigo líder africano é julgado fora do seu país por crimes cometidos quando chefiava o Estado. Alguns activistas, citados pela BBC, consideraram que este processo é um marco na justiça africana e mostra que o continente está disposto a responsabilizar os que chegam ao poder. Dizem também que, com este caso, fica criada a estrutura que permitirá acusar e julgar outros ditadores regionais, no futuro.

O caso, assim como a criação de um tribunal em Dakar, é uma iniciativa conjunta da União Africana e do Senegal, que não querem depender do Tribunal Penal Internacional (TPI), a instância jurídica das Nações Unidas em Haia (na Holanda). A União Africana criticou várias vezes o TPI, considerando que é uma instância hostil em relação a alguns países africanos.

Por vezes também foi impotente. Hissene Habré não poderia ser julgado ali, uma vez que os crimes de que é acusado tiveram lugar antes de o TPI ter sido criado, em 2002.

Este primeiro processo, contra Habré, foi demorado. O anterior Presidente senegalês, Abdoulaye Wade, mostrou-se relutante em levar Habré — exilado no Senagal desde que foi deposto, em 1990 — à justiça. Chegou a defender que a melhor opção seria repatriá-lo para o Chade, onde já foi julgado e condenado à morte. Macky Sall, eleito Presidente em 2012, aceitou criar um tribunal especial em Dakar. O país e a União Africana criaram também, em 2013, a Câmara Africana Extraordinária, para dar apoio juridico e de investigação a este tribunal especial. Terminado o processo de criação dos organismos, Sall deu luz verde a que se avançasse com o primeiro processo e ordenou a prisão do ditador do Chade.

Hissene Habré foi primeiro-ministro e chegou à chefia do Estado através de um golpe, em 1982. O seu regime foi classificado de ditadura — uma Comissão de Verdade constituída no Chade em 1992 concluiu que o regime foi responsável pelo assassínio e desaparecimento de 40 mil pessoas por razões políticas. A organização Human Rights Watch diz que Habré violou constantemente os direitos humanos e chamou-lhe "Pinochet africano".

Acusado de tortura e crimes de guerra e contra a humanidade, Habré optou por, nos seus primeiros instantes no tribunal, denunciar o processo como farsa" — negou sempre ser responsável por qualquer crime e disse não reconhecer a legitimidade deste tribunal.

O procurador Mbacke Fall, na sua intervenção de abertura, disse que a estratégia do réu, de se manter ausente das sessões, não irá resultar. "[Esse comportamento] não será considerado uma estratégia de defesa" e não afectará os trabalhos; Habré, disse, terá "um julgamento justo", esteja ou não na sala.

A advogada que representa as vítimas, Jacqueline Moudeina, disse que este é um "julgamento feito em nome da humanidade, uma humanidade que Hissene Habré nunca concedeu às suas vítimas".

Sugerir correcção
Comentar