Gregos começam a sentir as consequências do acordo com os credores

IVA sobe, bancos reabrem mas controlo de capitais permanece. O dia-a-dia dos gregos tem agora mais austeridade.

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O dia-a-dia dos gregos é agora tem agora mais austeridade Alkis Konstantinidis/AFP

A sandes que Nikos vendia a 2 euros custa a partir de segunda-feira 2,20, o prato pelo qual cobrava 7 euros passa para 7,70. “No ponto a que chegámos, cansados, a Grécia vai pagar, é isso”, disse, entre o resignado e o apreensivo, a uma repórter do diário francês Le Monde. “Teremos menos clientes, porque são essencialmente gregos, será ineficaz.”

Na taberna To Prodopion, que Nikos Loukrezis explora na esquina das ruas Akadimias e Asklipiou, em Atenas, como em todos os estabelecimentos de restauração da Grécia, e em distintos sectores económicos, o aumento do IVA é um dos efeitos das primeiras medidas adoptadas pelo Parlamento na semana passada, e que hoje entram em vigor, para garantir a assistência financeira dos credores.

Mas o dia em que a Grécia tem também de reembolsar o Banco Central Europeu em 4200 milhões de euros – uma fatia do empréstimo de transição de 7160 milhões da União Europeia para fazer face aos compromissos mais imediatos – traz outra “novidade”: a reabertura dos bancos, encerrados desde dia 29 de Junho. Ainda que com limitações aos movimentos bancários, espera-se grande afluência.

No caso do IVA, os talões de venda impressos pelas caixas registadoras passarão a indicar 23% em lugar dos 13% que vigoram até domingo nos restaurantes. O choque fiscal que se traduz num aumento para a taxa máxima acontece também nos alimentos não perecíveis, transportes e em consumos tão diversos como bilhetes de espectáculos ou funerais, segundo o levantamento feito pela AFP.

A água, a energia e os produtos alimentares de base, essencialmente frescos, passam a ser abrangidos pela taxa intermédia de 13%. Os hotéis, que têm sido taxados pelo valor reduzido de 6,5%, só no Outono deverão subir para aquele patamar. Apenas nos medicamentos, livros e teatro há um alívio, com a taxa reduzida a baixar de 6,5% para 6%.

Nikos optou por reflectir nos preços o aumento do IVA. Será o cliente a pagar um aumento que considera “brutal e estúpido”. Haverá casos de comerciantes que, para tentarem manter a clientela, procurarão não mexer nos preços, assumindo o agravamento do imposto. Vai ser assim na taberna cretense Sarakiniko, no quarteirão vizinho, junto à Praça Exarchia. É uma tentativa de contrariar o que Yota, a empregada de mesa, vê como “um golpe que faz perder clientes”. O IVA já esteve na Grécia em 23%, mas em Julho de 2013 o anterior Governo reduziu-o. Agora volta a subir. “Estamos na Grécia, não é surpresa”, comenta.

A reabertura dos bancos, três semanas depois de terem fechado portas, tem um carácter essencialmente simbólico, até porque o controlo de capitais permanece e os limites semanais de levantamentos não se alteram. O limite diário de 60 euros deixa de ser imperativo, porque podem ser levantadas somas mais elevadas de uma só vez, mas no período de uma semana não podem ser ultrapassados 420 euros. As excepções acontecerão quando os titulares das contas precisarem de pagar cuidados de saúde ou estudos no estrangeiro. Os gregos podem também voltar a usar os seus cartões de crédito no estrangeiro.

As dificuldades que já se vivem, e as que se anunciam, não parecem, no entanto, beliscar o partido governamental, Syriza, que se dividiu na aprovação das medidas de austeridade impostas pelos credores. Uma sondagem Palmos Analysis publicada no sábado pelo jornal Efimerida ton Syntakton, de esquerda, quantifica em 42,5% as intenções de voto no partido do primeiro-ministro, Alexis Tsipras – uma subida, que lhe daria agora uma maioria absoluta –face aos 36,3% das eleições de Janeiro passado. O principal partido da oposição, Nova Democracia, fica-se pelos 21,5%. Entre os eleitores do Syriza só 29% pensam que o Governo devia ter rompido as negociações e abandonado o euro.
 
Grexit estudado em segredo
As consequências de uma saída da Grécia foram um assunto estudado detalhadamente, em segredo, por uma equipa de 15 técnicos da Comissão Europeia ao longo de semanas, segundo o jornal grego Khathimerini. No relatório que fizeram são recenseadas cerca de 200 problemas que poderiam resultar de um Grexit, incluindo potenciais consequências sociais devastadoras. Uma das questões examinadas foi a eventualidade de um abandono do euro levar também a uma saída da Grécia da União Europeia e do Espaço Schengen, de livre circulação de pessoas.

O conteúdo do estudo foi – segundo o jornal grego – comunicado verbalmente  a Tsipras pelo presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, antes da cimeira de líderes da zona euro que se realizou dois dias após o referendo grego de 5 de Julho, em que venceu o “não” aos termos do acordo anteriormente proposto pelos parceiros europeus. É mais um pormenor, para história, ainda por contar, do processo negocial das últimas semanas e da longa noite de 12 para 13 de Julho, em que ruptura esteve muito perto de acontecer.

No início de uma semana em que devem começar negociações que não se antevêem fáceis para um terceiro resgate financeiro, quando os gregos começavam a mentalizar-se para sentir no seu quotidiano os efeitos do agravamento da austeridade, o antigo director-geral do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, juntou a sua voz aos críticos do entendimento obtido. Numa carta aos “amigos alemães” divulgada no site do jornal francês Le Figaro, qualifica de “mortífera” a política seguida pelo Governo de Berlim e considera que as condições do acordo imposto à Grécia terão um "impacto devastador" na unidade europeia e “são assustadoras para os que ainda acreditam no futuro da Europa”.

Em Atenas não falta quem, como Nikos Loukrezis, diga coisas muito semelhantes.

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