Pensões de reforma e direitos adquiridos: uma visão ética

Muito se tem falado recentemente sobre a questão das pensões de reforma e do seu entrosamento com a noção de direitos adquiridos. Esta é uma reflexão sobre esta temática, não em termos políticos, legais ou constitucionais, nem mesmo em termos económicos, mas sim em termos da sua dimensão ética. O seu objetivo é o de contribuir para esclarecer e clarificar os termos da polémica sobre direitos adquiridos no contexto das pensões de reforma já a pagamento.

De uma perspetiva ética defendo três direitos fundamentais dos cidadãos no que diz respeito à sua pensão de reforma.

Primeiro todos os cidadãos, independentemente da sua carreira contributiva para o sistema público de segurança social, devem ter direito a uma pensão com um valor mínimo garantida e concedida pelo Estado. Esta pensão mínima deve ser consistente com a subsistência a um nível condizente com a nossa noção coletiva de dignidade humana. Este direito implica para todos os cidadãos a expectativa de receber quando reformados, na pior das hipóteses, uma reforma mínima de subsistência. Este deve ser um direito adquirido.

Segundo, todos os cidadãos com carreira contributiva para a segurança social pública devem ter direito ao valor atualizado das suas contribuições obrigatórias acrescidas de uma taxa de rentabilidade adequada. Ou seja, as pensões de cada um devem refletir em termos atuariais as contribuições por cada um efetuadas e a esperança média de vida da respetiva geração. Este direito implica para os cidadãos com carreira contributiva a expectativa de receber quando reformados valores que refletem a sua carreira contributiva. Em geral, estes valores excederão o  mínimo de sobrevivência mas serão significativamente inferiores ao do salário auferido quando no ativo. Este deve ser um direito adquirido.

Terceiro, todos os cidadãos devem ter direito a aplicar os seus recursos financeiros, disponíveis depois terem efetuado as suas contribuições obrigatórias para o regime de segurança social público, da maneira que lhes parecer mais apropriada através de instrumentos financeiros públicos ou privados. Os benefícios resultantes refletirão necessariamente os termos e a evolução de mercado das aplicações financeiras por cada um efetuadas. Este direito implica para os cidadãos a possibilidade de usufruir na reforma de rendimentos para além dos auferidos através das pensões do sistema público, podendo mesmo permitir aos cidadãos auferir de rendimentos totais na reforma superiores aos auferidos aquando no ativo. Este deve ser um direito adquirido.

Uma implicação prática desta conceção do que devem ser considerados direitos adquiridos na área das pensões de reforma é que ajuda a explicitar o que não deviam ser considerados direitos adquiridos. Por exemplo, cidadãos sem carreira contributiva não tem o direito adquirido de auferirem de pensões para lá do mínimo estabelecido. Ou, cidadãos com carreiras contributivas não tem o direito adquirido de auferirem de pensões de reforma que são actuarialmente superiores às contribuições efetuadas. Ou, não existe qualquer direito adquirido para os cidadãos em termos dos montantes a receber na reforma que derivam de aplicações financeiras discricionárias.

E aqui chegamos a uma das questões mais sensíveis na temática da segurança social e das pensões de reforma. A questão de saber se podem ou não ser cortadas pensões já a pagamento. A visão ética de direitos adquiridos que aqui se apresenta permite enquadrar a questão. A resposta ética de acordo com os princípios expostos é não e sim. Depende.

Se nos estamos a referir a pensões mínimas de natureza solidária atualmente a pagamento, a resposta é não - não se deve cortar, é um direito adquirido. Se nos estamos a referir a pensões atualmente a pagamento e cujo valor atuarial se aproxima das contribuições realmente efetuadas pelos beneficiários a resposta é igualmente não - não se deve cortar, é um direito adquirido. Cortar estas pensões já a pagamento seria do ponto do vista ético aqui apresentado uma verdadeira perca da mais fundamental solidariedade social no primeiro caso é um verdadeiro confisco no segundo.

Mas consideremos agora o caso de pensões de reforma de natureza contributiva e que comprovadamente excedem o valor atuarial das contribuições feitas pelo beneficiário. Não há qualquer razão ética para não cortar estas pensões. Nesta visão ética não há aqui qualquer direito adquirido. Não há argumentos de solidariedade social. Não há argumentos de confisco do que é o fruto do trabalho de cada cidadão.

Este caso é especialmente gravoso quando as pensões auferidas não só são actuarialmente injustas como são de montantes muito elevados resultando de idiossincrasias dos nossos sistemas de segurança social em fases anteriores da sua existência ou de benesses auto-outorgadas pelas classes políticas. Quanto maior for a diferença entre o valor atuarial das pensões e das contribuições e em particular quanto maior for a pensão a pagamento menos razão ética existe para não poderem ser cortadas.

E aqui poder-se-ia mesmo ir mais longe. As pensões que comprovadamente excedem o valor atuarial das contribuições - em particular as mais arbitrárias, mais generosas, e mais elevadas - não só poderiam mas deveriam ser cortadas. Deviam ser cortadas independentemente das urgências financeiras do sistema de segurança social ou do país. Deviam ser cortadas por uma questão ética. Cada euro dado a um pensionista nestas condições é um euro retirado sem qualquer justificação ética - do meu ponto de vista - aos trabalhadores contribuintes no ativo.  É um "direito adquirido" que é pago a peso de ouro por quem com absoluta certeza não o irá usufruir. É um "direito adquirido" que infringe os direitos dos demais.  Manter este "direito adquirido" pode ser legal e constitucional pode mesmo ser politicamente conveniente, mas do meu ponto de vista, ético não é. Não consigo imaginar nenhum conceito de solidariedade social que possa justificar a sua manutenção.

Thomas Vaughn Professor of Economics no The College of William and Mary

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